Enquanto o corpo de extensionistas rurais do Cepagro segue na mobilização de famílias de agricultores que desejam parar de plantar fumo no Alto Vale do Rio Tijucas, interior de Santa Catarina, membros da equipe técnica da organização participaram do VII Seminário Alianças Estratégicas para o Controle do Tabagismo, realizado em Brasília de 1 a 3 de setembro. Promovido pela Aliança de Controle do Tabagismo + Saúde (ACTBr+), o evento reuniu ativistas e profissionais da área da saúde, direito, agricultura e comunicação, atuantes em instituições e órgãos públicos e também no terceiro setor. Além de expandir a discussão sobre diversos temas relacionados à produção, propaganda e consumo de tabaco, o seminário também teve o objetivo de “fortalecer ações de advocacy para contribuir na construção de políticas públicas, que é o que faz a diferença”, de acordo com Paula Johns, diretora-executiva da ACTBr+.
texto e fotos – Ana Carolina Dionísio

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A diversidade de atores e discussões que integraram o Seminário é ilustrativa da complexidade da questão do tabagismo, que “envolve muito mais do que o próprio fumante”, como afirmou Mônica Andreis, vice-diretora da ACTBr.


Considerada a uma epidemia global pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a dependência do tabaco diferencia-se de outras doenças por não ser causada e alastrada por um vírus ou bactéria, mas pela indústria fumageira e suas estratégias de mercado: da integração de produtores ao aliciamento de novos consumidores, várias são as táticas empregadas para manter um vício que mata anualmente 6 milhões de pessoas no mundo. Algumas destas temáticas, que relacionam saúde, propaganda, política, economia e agricultura, foram abordadas durante o Seminário.
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Os desafios para combater a dependência do tabaco extrapolam o âmbito da saúde e passam também pela regulamentação da propaganda e pela política fiscal e de preços para os cigarros, conforme expôs Paula Johns, diretora-executiva da ACTBr+.


O caráter transnacional da dependência do tabaco e a necessidade de ações intersetoriais para o seu controle foram trabalhados pela Dra. Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Comissão Interministerial para Implementação da Convenção Quadro para Controle do Tabaco (Conicq). Ela demonstrou como o aumento do IPI sobre os cigarros foi acompanhado por uma diminuição da taxa de prevalência de fumantes na população brasileira, atualmente em 11%, uma das menores no mundo. A efetividade do aumento de preços no controle do tabagismo também foi mostrada por Paula Johns, da ACTBr+.
Estas medidas, juntamente com a promoção de ambientes livres de fumo, a fiscalização nos pontos de venda e consumo e a conscientização sobre os malefícios para a saúde do fumante contribuíram para o balanço positivo dos cinco anos de lei anti-fumo em São Paulo, apresentado por Maria Cristina Megid, do Centro de Vigilância Sanitária paulista. “Hoje, o grande fiscal é a população”, afirmou Maria Cristina, ressaltando a eficiência dos canais abertos de denúncia. Ela também trouxe dados de uma pesquisa do Ibope sobre a aprovação da lei anti-fumo entre os fumantes paulistas: 71% deles sentem-se beneficiados com a legislação.
Neste cenário, contudo, a indústria encontra maneiras de contornar estes e outros mecanismos de controle. O advento dos cigarros eletrônicos – dispositivos que funcionam com nicotina líquida, “queimada” através de uma resistência elétrica – faz parte destas estratégias. Mesmo sendo proibido pela Anvisa no Brasil, o produto já é vendido pela internet. Socialmente mais aceito do que o cigarro convencional, por não gerar tanta fumaça e cheiro, ainda é visto por muitos consumidores como “mais saudável”. “Mas o cigarro eletrônico também possui acetaldeído, que é uma substância cancerígena”, alertou a Dra. Stella Martins, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP.
O acetaldeído atua como um potencializador da nicotina no corpo e é resultante da queima de açúcares adicionados ao tabaco. O uso de aditivos químicos no cigarro – tanto açúcares quanto agentes de sabor como cravo e chocolate – já havia sido proibido pela Resolução RDC 14/2012 da Anvisa, com base no argumento de que tornam os cigarros mais viciantes para os que já fumam e mais atraentes para novos consumidores. A Resolução, contudo, está suspensa por liminar emitida em setembro de 2013. Buscando reverter esta situação e reafirmar o caráter autônomo da Anvisa, os participantes do Seminário foram ao Congresso Nacional na tarde do segundo dia para realizar uma ação de advocacy junto aos parlamentares, convidando-os para uma reunião aberta com os deputados Darcísio Perondi (PMDB-RS) e César Colnago (PSDB-ES), da Comissão de Seguridade Social e Família, realizada naquela mesma tarde.
Junto com a adição de sabores aos cigarros, outro fator que contribui fortemente para o aliciamento de novos consumidores é, obviamente, a propaganda. Apesar das crescentes restrições à publicidade tabagista, as campanhas continuam sendo veiculadas e cada vez mais voltadas para jovens e adolescentes. Um exemplo é a campanha TALVEZ MARLBORO, proibida pelo Procon em agosto deste ano por estimular o fumo na juventude ao associar o tabagismo a um estilo de vida independente e de liberdade. A Philip Morris, fabricante dos cigarros, foi multada em R$ 1,1 milhão. A medida foi resultado de uma representação feita pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), utilizando um relatório da ACTBr+ que traz uma minuciosa análise de discurso e semiótica da campanha. Além do estudo, a ACTBr+ também produziu uma contra-campanha sobre os riscos do hábito de fumar.
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Se no âmbito do consumo do tabaco os debates são amplos, na parte da produção o quadro não é menos complexo, especialmente considerando que o Brasil é o segundo maior produtor mundial e líder em exportações de fumo. Tal liderança é possível graças ao trabalho de mais de 160 mil famílias de agricultores que cultivam tabaco no país, sendo que mais de 90% delas estão na Região Sul. Num cenário de diminuição do consumo nacional e de crescimento de estoque internacionais, a promoção de alternativas econômicas para estes e outros trabalhadores da indústria tabagista constitui uma medida necessária tanto a curto quanto a longo prazo, integrando também a CQCT, no artigo 17. Este e outros temas, como as estratégias político-institucionais da indústria para defender seus interesses na produção, a situação desfavorecida dos agricultores na relação com as fumageiras e as iniciativas em diversificação produtiva do Ministério de Desenvolvimento Agrário e de ONGs nos três estados do Sul foram discutidos no painel A produção de tabaco no Brasil e a interferência da indústria, composto pelo coordenador-geral do Cepagro Charles Lamb, Amadeu Bonato (Deser-PR), Rita Surita (Capa-RS) e Christianne Belinzoni, do MDA.
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Amadeu Bonato: “Apesar de a relação dos agricultores com a indústria ser uma relação contratual, de compra e venda, supostamente de igualdade entre duas pessoas que assinam um contrato, na verdade é uma relação de força de um lado e fragilidade do outro. Esta fragilidade é propiciada exatamente pela integração, em que quem determina como tudo deve ser feito é a indústria. O agricultor é um mero instrumento na produção. É um punhado de empresas controlando mais de 160 mil famílias”.


O controle da cadeia produtiva pela indústria – que implica inclusive na manipulação dos preços do tabaco em folha – reforça a desigualdade da relação desta com os agricultores, de acordo com Amadeu Bonato. “A indústria vai para São Lourenço do Sul quando quer, e sai quando quer. Ela tem esta mobilidade nos territórios e nos países. Não é à toa que o Zimbabwe vem se destacando como produtor de fumo nos últimos anos, ou que esteja acontecendo um deslocamento da produção do fumo tipo Burley para o Malawi. A mesma Souza Cruz daqui está como British American Tobacco lá, a Philip Morris daqui é Philip Morris lá”, afirmou o representante do Deser, organização que está executando no Paraná a chamada de Assistência Técnica e Extensão Rural do Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. A fragilidade dos agricultores também é devida, segundo Bonato, ao declínio na produção de tabaco, tendência que poderá acentuar-se nos próximos anos. “Nos últimos 6 ou 7 anos a produção caiu em torno de 20 mil toneladas. Num total de quase 800 mil, parece pouco. Mas, do ponto de vista dos agricultores, são cerca de 5 mil produtores a menos”, completou. Neste sentido, ele afirmou a necessidade de pensar estratégias de diversificação produtiva também a curto prazo, voltada para os produtores que já estão sendo “cortados” da cadeia produtiva.
No contexto destas iniciativas, o coordenador do Cepagro Charles Lamb falou do Convênio do Cepagro com o Ministério Público de Santa Catarina para promover assistência técnica para fumicultores do Alto Vale do Rio Tijucas, que envolve não só aspectos da produção, como a promoção de práticas de manejo agroecológicas, mas também a inserção em canais de comercialização, como as compras públicas, as cooperativas locais e o Box 721 de Orgânicos da Ceasa/SC. Além disso, é feito também um trabalho de “questionamento da cadeia produtiva do tabaco e estímulo à organização e ao associativismo, buscando criar uma identidade comum entre os agricultores”, disse. Este contraponto passa também pela explicitação das conivências entre a indústria e as estruturas públicas, inclusive empresas de ATER.
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A apropriação do discurso da diversificação pela indústria fumageira foi levantada pelo coordenador do Cepagro Charles Lamb. Enquanto as entidades do setor afirmam que já estimulam esta prática há mais de 30 anos, a proposta é, na verdade, uma rotação de culturas para aproveitar a adubação residual do fumo, que continua sendo o principal cultivo.


Além dos ônus econômicos, a fumicultura também apresenta-se como uma atividade desgastante para a saúde do agricultor. Mesmo com as inovações técnicas que diminuiram o uso de agrotóxicos na produção, a colheita ainda demonstra-se intoxicante para diversas famílias, que sofrem com a Doença da Folha Verde do Tabaco, mais conhecida como “porre do fumo”. Causada pela absorção cutânea da nicotina, a doença manifesta-se principalmente com vômitos, náuseas, insônia, irritação e dores de cabeça. “Estes sintomas assemelham-se aos de outras doenças, o que dificulta o seu diagnóstico”, disse Silvana Turci, do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz. Após um estudo com fumicultoras do interior do Paraná, a Fundação recomendou a criação de um protocolo de atenção para atendimento médico dos trabalhadores afetados pela doença, para que ela não seja confundida com a intoxicação por agrotóxicos. “Estes agricultores têm um diferencial na sua atividade, que é a coleta do fumo, que causa sintomas conhecidos a curto prazo, mas a longo prazo pouco se sabe sobre os efeitos desta intoxicação”, acrescentou. Durante a pesquisa com as agricultoras, também ficou clara o desejo delas de diversificar cultivos e diminuir sua dependência da fumicultura e, consequentemente, da incidência da doença da folha verde do tabaco nas suas famílias.
Participando de ações de advocacy junto ao Governo Federal, epresentantes do Cepagro, do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Pelotas), do Deser (Curitiba), da Cooesperança (Santa Maria) e da Aliança de Controle do Tabagismo expuseram os diversos ônus sócio-ambientais e econômicos da produção de fumo no Brasil e as iniciativas em diversificação produtiva para contorná-los.

Participando de ações de advocacy junto ao Governo Federal, os coordenadores do Cepagro, do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa-RS), do Deser (Paraná), da Cooesperança (Santa Maria-RS) e da Aliança de Controle do Tabagismo participaram de reuniões com o Secretário-Geral das Relações Exteriores Eduardo dos Santos (foto), com o Chefe de Assessoria Internacional da Presidência da República Fabrício Araújo Prado e com o Coordenador Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome do Ministério das Relações Exteriores Milton Rondó. Faltando um mês para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (COP-6), a equipe reforçou a importância da atuação destas instâncias governamentais na implementação dos artigos 17 e 18 do tratado.