Após uma pausa de três anos devido à pandemia, o Cepagro voltou a realizar o Curso de Gestão Comunitária de Resíduos Orgânicos e Agricultura Urbana, reunindo 35 participantes de seis estados do Brasil e também do Uruguay e El Salvador. A 5ª edição do Curso aconteceu de 27 a 29 de setembro e mesclou atividades no Jardim Botânico de Florianópolis e visitas a pátios e iniciativas de compostagem em diversas escalas, mostrando como a gestão de resíduos orgânicos funciona para empresas, comunidades e municípios.

“O curso tem o objetivo de integrar lideranças comunitárias, gestores públicos, instituições e pessoas interessadas em vivenciar possibilidades de coleta e tratamento dos resíduos orgânicos por meio da gestão local e da prática da compostagem termofílica”, explica o especialista em Agroecossistemas Henrique Martini Romano, da equipe do Cepagro. “Mas percebemos que o resultado vai além disso, pois muitos dos participantes já praticam a compostagem nos locais onde atuam, dessa forma o curso tem também o resultado de  conectar essas diversas iniciativas de compostagem dentro e fora do Brasil, criando uma rede que possibilita a troca de experiências, o fortalecimento e a promoção da compostagem como uma prática agroecológica viável e necessária para as cidades, seja do ponto de vista social, ambiental ou econômico”, completa.  

Do micro ao macro, na teoria e na prática: conhecendo a compostagem

No primeiro dia, entre dinâmicas, apresentações e visita a campo, os/as 35 participantes puderam conhecer mais sobre a compostagem na teoria e na prática, do micro ao macro. De manhã, após o acolhimento do grupo, o agrônomo Júlio Maestri, do Cepagro, falou sobre a técnica de compostagem e tirou muitas dúvidas com a TV Composteira, ferramenta didática que permite ver como fica uma leira por dentro e acompanhar o processo de decomposição de resíduos orgânicos. 

À tarde, o pessoal visitou o Centro de Valorização de Resíduos (CVR) e o Museu do Lixo da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis, no bairro Itacorubi, que recebe todos os resíduos coletados na capital – rejeito, recicláveis secos e orgânicos. Ali é feita a triagem de resíduos secos recicláveis e os orgânicos são compostados em leiras de até 40m de comprimento, que recebem cerca de 300 toneladas de resíduos – mostrando que a compostagem é sim viável em larga escala. A engenheira sanitarista e ambiental do CVR, Karina da Silva de Souza, apresentou todas as estruturas e explicou os caminhos percorridos pelos resíduos chegados ali, respondendo a várias perguntas do pessoal. 

O CVR do Itacorubi recebe em média 9,5 toneladas de resíduos orgânicos por dia, durante 24 dias do mês, totalizando 216 toneladas de material separado por moradores/as, recolhidos na coleta seletiva e desviado de aterros sanitários. Além da coleta de resíduos feita em condomínios e restaurantes, no pátio também são compostados o material verde da poda de árvores feita pelo município, além de palhada descartada pela CEASA. O pátio é manejado pela empresa Agroecológica, que conta com uma equipe de 13 pessoas. A coleta fica a cargo da Secretaria do Meio Ambiente, em dois modelos: bombonas e flex. No sistema de bombonas, moradores devem separar os restos de alimentos em baldinhos e levar até os pontos de entrega voluntária (PEVs), instalados em cinco bairros – Monte Verde, Monte Cristo, Ribeirão da Ilha, Morro do Quilombo Ratones, Itacorubi e Jurerê Internacional. Já o modelo flex atende principalmente condomínios do Itacorubi, Córrego Grande e Trindade, o Hospital Governador Celso Ramos e as creches do Horácio e da Serrinha, com caminhões satélites que exigem contentor modelo europeu na cor marrom. “A gestão comunitária com PEV é o modelo que tem dado certo”, avalia Karina. 



De volta ao Jardim Botânico, foi a hora de colocar em prática o que havia sido visto até então. Os/as participantes montaram então uma leira de compostagem com sistema de drenagem para coleta do biofertilizante líquido. 

Do mundo empresarial às comunidades: a gestão de resíduos orgânicos em diferentes contextos​

No segundo dia de curso, os participantes circularam de norte a sul – e do continente à ilha – para conhecer diferentes experiências de gestão comunitária dos resíduos orgânicos existentes em Florianópolis, começando pelo pátio de compostagem da CGT Eletrosul, que foi implantado em agosto de 2021 com assessoria técnica do Cepagro. De lá pra cá, 18,6 toneladas de resíduos já foram transformadas em 3,7 toneladas de composto no pátio.

A segunda parada foi na Chico Mendes, uma das 12 comunidades que compõem o Complexo Monte Cristo e onde a Revolução dos Baldinhos, que é uma referência e inspiração para muitos dos que estavam ali presentes, existe e resiste há mais de 14 anos. Quem nos recebeu, foi a liderança comunitária e presidenta da Associação, Cíntia Cruz. Ela contou a história da revolução e explicou como é feita a logística da gestão de resíduos na Chico, mas principalmente sobre os desafios e estratégias de fazer compostagem em uma comunidade periférica e bastante desassistida pelo Estado na garantia dos direitos mais básicos.

Na visão da Cíntia, para um projeto de gestão comunitária dos resíduos dar certo, ele precisa ser construído coletivamente, com a participação ativa dos moradores da comunidade desde o início, de baixo para cima ou de dentro pra fora, como foi o caso da Revolução dos Baldinhos. Além disso, Cíntia pontuou mais duas estratégias indispensáveis: (1) a sensibilização para a separação dos resíduos e (2) a sensibilidade para a escuta.

 

Cíntia contou que, andando de casa em casa para recolher os resíduos, ela foi se deparando com outros problemas vivenciados pelas famílias da comunidade e entendeu que “antes de trabalhar com os resíduos, nós temos que trabalhar com as pessoas que geram esses resíduos”. Primeiro a presença de roupas descartadas pelo bairro apontou que faltava uma conscientização para o reaproveitamento e descarte adequado de outros resíduos. Depois, a redução dos resíduos depositados nos PEVs apontou o aumento da fome entre os moradores. Estas constatações foram dando início a outras iniciativas que nasceram a partir da compostagem comunitária, como o brechó e a Cozinha Mãe, onde já foram realizadas oficinas, encontros e onde são preparadas refeições distribuídas gratuitamente na comunidade, onde foi visível o aumento da fome especialmente a partir da pandemia e do desmonte de políticas públicas.

E foi na Cozinha Mãe onde os participantes do curso almoçaram. No prato, arroz agroecológico do MST, hortaliças e raízes cultivadas na aldeia Guarani Tekoá Vy’a e ovos caipiras produzidos na Comuna Amarildo.

À tarde, o grupo seguiu para o Parque Cultural do Campeche, o PACUCA, onde foram recebidos por Ataíde Silva, que mostrou como funciona a participação da comunidade no PEV do PACUCA e conversou também sobre os desafios enfrentados para a implantação e reconhecimento do Parque. Após a conversa os participantes visitaram a roça/coleção de variedades crioulas de mandioca e a horta agroecológica comunitária do espaço.

A última parada da saída de campo foi o pátio de compostagem do Hotel SESC Cacupé, que hoje composta até 500 kg de resíduos orgânicos por dia. Renato Trivella, Analista de Programação Social, Sustentabilidade e Educação Ambiental do SESC/SC, contou que antes de iniciar o pátio de compostagem do SESC, a equipe participou de uma formação de uma semana na Chico Mendes junto da turma da Revolução dos Baldinhos. E assim, como a Revolução dos Baldinhos foi uma escola para a equipe do Hotel SESC Cacupé, esta formou a equipe do SESC Blumenau que por sua vez capacitou a equipe do SESC Lages.

Para fechar o dia, no Engenho de Farinha do SESC Cacupé, o pessoal pôde bater um papo com o Eduardo Elias Rodrigues e o Caio Souza Pires, idealizadores da Destino Certo e Angatu, duas iniciativas de empreendimento de compostagem. Um momento importante e inspirador principalmente para os/as participantes do curso que já estão iniciando ou pretendem iniciar um empreendimento de compostagem em seus territórios de atuação, como o pessoal da Amorosa Compostagem, de Garopaba (SC) e das gurias da Composta SãoLou, de São Lourenço do Sul (RS).

Mais teoria e mais prática: aula sobre compostagem e montagem de planos de GCRO

O terceiro e último dia de curso começou com uma aula aberta sobre compostagem com o professor Rick Miller, do Centro de Ciências Agrárias da UFSC, referência na disseminação do chamado Método UFSC de Compostagem, que utiliza palha e serragem para montar as leiras que receberão os resíduos orgânicos. O professor abordou a compostagem utilizando como marco temporal o ano de 1922, quando o pesquisador britânico Albert Howard sistematizou a prática realizada por agricultores/as indianos para gestão de esterco de vaca e sobras de comida. Do século passado ao presente, Rick Miller traçou relações entre a compostagem e a problemática da emissão de gases de efeito estufa – que aumenta quando há a decomposição da fração orgânica mesclada a outros resíduos em aterros sanitários, mas pode ser diminuída se utilizada a compostagem para transformação desta fração em adubo.

 “A emissão de gases do efeito estufa é acelerada pela má gestão de resíduos”, disse Miller. Essa má gestão inclui a falta de coleta e tratamento de esgoto. De acordo com o professor, “a compostagem é uma pequena solução para uma pequena fração”, mas ainda existe uma fração muito maior a ser trabalhada, que é o esgoto. 

Na sequência, o Secretário Adjunto do Meio Ambiente de Florianópolis, Lucas Arruda, falou sobre diversas experiências de compostagem realizadas na Capital. De acordo com Lucas, “a Gestão Comunitária de Resíduos representa melhor alocação de recursos. Em vez de pagar para uma empresa multinacional que maneja aterros, repassa esses recursos para as comunidades”.

 Em Florianópolis, a Prefeitura Municipal iniciou em 2022 a remuneração de pátios comunitários de compostagem, pagando R$ 156 por tonelada de resíduo tratado mais um adicional de responsabilidade técnica, que varia de 1 a 3 salários mínimos de acordo com a capacidade do pátio: até 5 toneladas/mês, de 5 a 10 toneladas/mês e mais de 10 toneladas/mês.

Antes de retornarem inspirados e abastecidos de tantos aprendizados e experiências, os participantes do curso ainda puderam fazer um exercício em grupo para praticar como seria o planejamento para a implantação de projetos de gestão comunitária dos resíduos e agricultura urbana. O coletivo foi separado em três grupos, que depois de muito debate e troca de percepções, compartilharam suas propostas com o coletivo.

O primeiro debateu sobre uma proposta de compostagem comunitária em escolas de Carmópolis, Minas Gerais, que é um sonho da mineira Eliane de Souza. Ela contou que como ainda não existe nenhum tipo de experiência com gestão comunitária de resíduos orgânicos na cidade, acredita que as escolas podem ser os espaços ideais para começar trabalhando a sensibilização e educação sobre o tema.

O segundo grupo propôs a implantação da compostagem e hortas em um condomínio de Montevidéu, no Uruguai, a partir da experiência dos participantes uruguaios/as Antonella Acosta e Gaston Carro. O condomínio conta com uma escola, que também foi considerada como um espaço central de educação para a compostagem desde a infância.

Por fim, o terceiro grupo apresentou uma proposta de compostagem comunitária para a comunidade Entra Apulso, no bairro de Boa Viagem, no Recife. A ideia veio de representantes dos coletivos Kapiwara e Chié do Entra, que estavam presentes no curso junto com representantes do Shopping Recife, Instituto Shopping Recife e da Secretaria Municipal de Agricultura Urbana da capital pernambucana.

 Juntos eles formaram a maior comitiva do curso. Explicaram que a comunidade conta com aproximadamente 10 mil habitantes e que diversos comércios de alimentos e residências da comunidade poderiam ser envolvidos na gestão comunitária, além de duas escolas e uma creche. A Chié já faz compostagem com parte da comunidade e a ideia deles é ampliar.

Com a palavra, alguns participantes!

Ana Carolina Milanez, AS-PTA – Rio de Janeiro: “É muito bom poder vir pra cá e aprender sobre esta ferramenta tão importante. Eu levo do curso muita coisa boa, muita gente boa que eu conheci, muitos ensinamentos. Eu estou levando pro Rio, onde eu trabalho com projetos sociais, e eu acho que esses encontros são muito importantes para que a gente possa levar esta ferramenta para os nossos territórios para que eles possam criar autonomia, para que a gente respeite o meio ambiente, fazer agroecologia.”

 

Joaquim Martins da Rosa, Centro Ecológico, litoral norte do Rio Grande do Sul: “Eu trabalho em um projeto que usa a temática da compostagem e das hortas escolares, então participar desse curso é muito importante para a nossa atuação e capacitação. O Centro Ecológico tinha uma referência com os agricultores, mas nas escolas a gente tinha certa dificuldade de entrada e continuidade do trabalho. Então vir aqui, conhecer a experiência do Cepagro, principalmente da compostagem, é uma bagagem muito boa. Eu vim pra cá com expectativas e elas foram completamente superadas. Ficam só experiências bacanas de como a gente pode fazer essa gestão comunitária dos resíduos também dentro das escolas”.