Confiança, participação e diálogo de saberes: estes são alguns dos princípios que regem os Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) uma metodologia de avaliação e garantia da qualidade orgânica dos alimentos, onde os próprios agricultores e agricultoras são responsáveis por certificar sua produção e de seus pares. Buscando compartilhar experiências de certificação participativa em diferentes contextos, o Cepagro reuniu em livro alguns dos SPGs que surgiram e se fortaleceram nos últimos 10 anos em países latinoamericanos e que fazem parte do projeto “Saberes na Prática em Rede”, coordenado pelo Cepagro com apoio da Fundação Interamericana (IAF). Intitulada Saberes na Prática em rede: dez anos fortalecendo SPGs na América Latina, a publicação foi lançada na província de Imbabura, norte do Equador, no dia 19 de abril, durante encontro do projeto apoiado pela IAF.

Na mesa de lançamento, estavam representantes do Cepagro e CETAP, organizações do sul do Brasil que historicamente apoiaram a Rede Ecovida; do Movimento Mecenas da Vida, organização que assessorou a criação da Rede Povos da Mata, SPG que reúne mais de 820 famílias agricultora na Bahia; da Asociación de Productores Orgánicos (APRO), primeiro SPG a ser reconhecido no Paraguai, da Fundesyram, organização que implementou o Sistema Local de Verificação Agroecológica (SILOVA), primeiro SPG de El Salvador, da Red Tijtoca Nemiliztli, associação mexicana que atualmente maneja a certificação participativa em 13 municípios do estado de Tlaxcala, bem como do Centro Campesino AC, organização que apoiou a criação da Tijtoca.

Publicação traz histórico e panorama dos SPGs na América Latina

Imagem da capa do livro "Dez anos fortalecendo SPGs na América Latina"

Além da relação comum com o projeto, os cinco SPGs apresentados no livro compartilham a mesma inspiração que os deu origem: a precursora Rede Ecovida de Agroecologia. Seja por sua expansão baseada na articulação em rede, seja pelo sucesso na incidência pelo reconhecimento legislativo dos SPGs, a experiência da Rede Ecovida inspirou e embasou a conformação de iniciativas de certificação participativa Brasil e mundo afora. A Fundação Interamericana foi uma das instituições que incentivou esta disseminação.

Representante da IAF no Brasil, David Ivan Fleischer explica no livro que o compromisso inicial da IAF com a certificação participativa começou em 2006, quando firmou o primeiro convênio com o Cepagro e, portanto, passou a conhecer mais de perto a experiência da Rede Ecovida. “Um marco na disseminação da metodologia dos SPGs junto a organizações de outros países latinoamericanos foi o 8º Encontro Ampliado da Rede Ecovida, realizado em 2012 em Florianópolis (SC), quando 33 entidades de 12 países apoiadas pela IAF marcaram presença e puderam visitar propriedades locais e observar na prática como funcionava a certificação participativa. Após esta apresentação à Rede Ecovida, vários donatários expressaram interesse em explorar o desenvolvimento de SPG em seus países”, explica David.

 

A publicação traz também um panorama dos Sistemas Participativos de Garantia  no continente latinoamericano, que, de acordo com a Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), contava com 88 SPGs atuantes em 2020, sendo a região com maior número destas iniciativas no mundo.

Um dos SPGs retratados no livro é o da Asociación de Productores Orgánicos de Paraguay (APRO) que no mês de maio completou uma década de existência. A APRO, que atualmente conta com mais de 250 famílias associadas, iniciou suas atividades ainda em 1999 com o objetivo de encontrar canais de comercialização favoráveis para seus associados e a partir de 2012 se tornou o primeiro SPG a ser reconhecido no Paraguai. Genaro Ferreira, Coordenador da APRO, avalia que a criação do SPG “foi uma conquista muito importante para a organização pois ajudou a gerar credibilidade junto aos consumidores, abriu novos nichos de mercado em supermercados, com menor custo do que a certificação por terceira parte e ajudou a posicionar a Marca EcoAgro da APRO no mercado Nacional”.

Além disso, a criação do SPG aproximou a APRO de universidades, o que desdobrou em pesquisas voltadas para a qualificação da comercialização dos alimentos orgânicos. Ajudou também a posicionar a organização como referência nacional e internacional, já que agora a APRO faz parte do Fórum Latino-Americano do SPG. “Hoje estamos recebendo muitos pedidos de pessoas, inclusive de estrangeiros, que querem ingressar na APRO e outras querem a certificação para comercializar nos supermercados de suas regiões”, conta Genaro.

Sem contar os benefícios gerados para as próprias famílias agricultoras: “aumentou o interesse do produtor em ser capacitado para o manejo das lavouras, a conhecer os padrões de produção, a valorizar o trabalho e vê-lo como um negócio. Devido à certificação do SPG, muitos produtores melhoraram sua qualidade de vida e a renda econômica da família”, acrescenta Genaro.

Livro reacende debate sobre SPGs no Equador

Na audiência, estavam presentes representantes do Programa Mundial de Alimentos, do Ministério da Agricultura e Pecuária do Equador e representantes eleitos do município de Cotacachi, além de agricultoras/es, consumidores/as, universidades, coletivos de Agroecologia e Permacultura e povos originários. Com pontos de vista da agricultura familiar e tradicional e do poder público representados, o lançamento do livro gerou um debate sobre a certificação participativa no Equador, país que ainda não possui legislação que regulamente o tema.

Uma das preocupações apresentadas pelo Coletivo Agroecológico del Ecuador com relação à certificação é de que o governo imponha uma legislação feita “de cima para baixo” e não de forma participativa, como consideram necessário. Também questionaram às organizações presentes como é a relação dos agricultores e dos SPGs com o Estado nos países onde a certificação participativa é regulamentada. Em geral, a situação é a mesma em cada um dos quatro países representados no livro: o Estado costuma estar mais presente na hora de realizar o controle, do que na hora de fomentar e apoiar a agricultura de base agroecológica, apesar disso variar de país para país e de governo para governo.

Por fim, as organizações também reforçaram o papel dos Sistemas Participativos de Garantia para além da certificação, mas enquanto redes de apoio e de aprendizado coletivo para agricultores e agricultoras. Entre os princípios dos SPGs, estabelecidos pelo Fórum Latino Americano de SPGs em 2009, está o diálogo de saberes, que versa que o sistema deve respeitar, resgatar e valorizar os diferentes saberes e culturas, estimulando sua integração. Também são princípios a Participação e envolvimento, transparência, confiança,  e autodeterminação.

Para saber mais sobre os SPGs, seus princípios, funcionamento e perspectivas, acesse a página de publicações do Cepagro, onde o livro está disponível para download tanto em português como em espanhol. O livro Saberes na Prática em rede: dez anos fortalecendo SPGs na América Latina foi organizado e publicado pelo Cepagro com apoio da Fundação Interamericana (IAF).