por Fernando Angeoletto – coordenador de comunicação do Cepagro
Não são ideias novas nem a gestão comunitária de resíduos, nem a prática de compostagem como tratamento das sobras orgânicas. No entanto, o que faz da Revolução dos Baldinhos um marco, a ponto de ser adotada como bandeira por coletivos de todo o país que participaram da Formação em Gestão Comunitária de Resíduos Orgânicos, pode ser resumido em uma palavra: persistência.
Completando seus 7 anos em 2015, este modelo de compostagem comunitária e agricultura urbana reverbera fortemente Brasil afora, embora enfrente dificuldades que por si só explicam a fragilidade de iniciativas que enfrentam o lucrativo e ineficiente, ao menos do ponto de vista ambiental, negócio do mercado do lixo.
Historicamente incubada por projetos, a revolução hoje pavimenta o caminho de se estabelecer como associação comunitária, com a missão de sensibilizar famílias para separação dos resíduos orgânicos, coletá-los e processá-los, gerando recursos com a venda do produto final. Uma solução aparentemente simples, mas que demandou muito empenho na mediação de conflitos e modelagem do plano de negócios, com a indispensável colaboração da ITCP/Univali, em um processo que deve ser concluído até o meio do ano.
Ainda assim, a iniciativa tem diante de si  2 pesados obstáculos : a negativa do poder público em manejar o orçamento municipal e destinar verbas ao pagamento de serviços de limpeza pública realizados pela comunidade (enquanto a empresa contratada diretamente pela prefeitura recebe cerca de R$ 120 por tonelada de lixo enviado aos aterros), e a falta de um terreno adequado para a prática do compostagem.
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Todos estes aspectos foram discutidos nos últimos dias da Formação, preparando os participantes à formulação de novos planos de gestão comunitária em cidades e comunidades distintas, uma das metas conclusivas do Curso. Na quinta (26/03) de tarde, após apresentação sobre os múltiplos usos pedagógicos da compostagem por Júlio Maestri (agrônomo) e André Martins (biólogo), e sobre experiências comunitárias de gestão de resíduos na Índia, França e Brasil pelo doutorando em Gestão Marc-Antoine Diego Guidi, o grupo comunitário da Revolução dos Baldinhos fez uma palestra aos participantes.
O tom foi de estímulo ao debate, com encaminhamentos coletivos em torno de apoiar a prática e fazer incidência política para a sua incorporação nas agendas legislativas municipais. O principal compromisso assumido foi a elaboração de um crowdfunding, buscando fundos para a sobrevida do projeto mas, acima de tudo, fortalecendo a bandeira como forma de pressão política. “Na lei dos resíduos sólidos já está bem explícito que os municípios devem se articular para contratar cooperativas de materiais recicláveis sem licitação, para coletar, processar e comercializar as sobras. Devemos evoluir este mesmo tipo de entendimento aos resíduos orgânicos”, analisa o analista ambiental Lúcio Proença Costa, do Ministério do Meio Ambiente.
Na sexta pela manhã, foi a vez da visita de campo à Revolução dos Baldinhos. Na Escola América Dutra, onde é feita a compostagem, os participantes vivenciaram parte da rotina do grupo comunitário: viraram mais de 30 bombonas de resíduos sobre a “cama” de galhos e serragem, incorporam-no ao inoculante (adubo já pronto, carregado de fungos e bactérias que são vetores microbiológicos do método), cobriram com mais serragem e grossa camada de palha, montando uma extensa leira de compostagem esculpida a muitas mãos.
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Em seguida viram em funcionamento a máquina que separa o adubo em distintas granulometrias, do mais fininho, excelente para criação de mudas, ao mais grosso, útil para aterrar e elevar os canteiros de hortas.DSC_1886
Por fim, conheceram um importante parceiro do projeto, o Lar Fabiano de Cristo, que faz atendimentos familiares e atividades no contraturno escolar abarcando mais 700 moradores da comunidade. Com uma ampla área verde nos fundos do terreno, o Lar avalia a possibilidade de receber um pátio de compostagem para fortalecimento da Revolução e expansão do projeto à comunidades vizinhas.
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Na tarde de sexta, os cerca de 40 participantes foram divididos em 6 grupos, para a formulação de planos de gerenciamento comunitário de resíduos. “A Revolução dos Baldinhos começou de modo empírico, mas agora temos um fluxograma de acontecimentos que pode ter analogias com outros processos novos”, explica o agrônomo Marcos José de Abreu, um dos idealizadores do projeto. Como subsídio à atividade, foi disponibilizado um material listando as várias etapas de construção do método: criação dos grupos executivo e comunitário, boas práticas no tratamento dos resíduos, prospecção e escolha de terreno, compromissos e rotinas de trabalho, equipamentos mínimos, etc.

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O grupo que formulou o plano para o bairro Rio Vermelho


O resultado foi a elaboração dos planos para a Comunidade Quilombola Vidal Martins, no entorno do Parque Municipal do Rio Vermelho (Florianópolis), Comunidade da Grota, vizinha à Revolução dos Baldinhos (Florianópolis), Território do Baixo Onça (região periférica de Belo Horizonte-MG), Maciço do Morro da Cruz (Florianópolis), Bairro Rio Vermelho (Florianópolis) e comunidade União Vila Nova (bacia do rio Tietê na grande São Paulo). Em breve, a minuta dos planos será disponibilizada aqui.
Agricultura Urbana no mundo e no Brasil
Juliana Torquato Luiz, doutora pela Universidade de Coimbra e articuladora de Agricultura Urbana em parceria com o Cepagro, contribuiu com um panorama sobre o tema na manhã de sábado. A pesquisadora alerta que 60 a 80% do orçamento de famílias pobres é gasto com alimentação (segundo IOP, 2014 e FAO, 2008). Embora invisibilizada, a prática de produzir alimentos em áreas urbanas e periurbanos envolve no mundo 800 milhões de agricultores, atingindo 15 a 20% da produção de vegetais e carnes. Os números refletem ainda o grave problema da falta de acesso à terra, já que 80% dos terrenos cultivados não são legalizados.
Estas e outras questões transversais são debatidas no âmbito de um Grupo de Trabalho (GT) do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). “No GT também realizamos um mapeamento colaborativo, não como mera localização, mas para ser um instrumento de qualificar e dar visibilidade às experiências em Agricultura Urbana”, explica Juliana. Recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Agrário sinalizou o acolhimento do tema em suas pautas de trabalho. “É uma luzinha verde apontando para a integração com as políticas públicas, uma frente que a gente está batalhando há tempos”, conclui.