marcha das margaridas - ciencia tecnologia

💜 “Medo nós tem, mas não usa”: a frase de Margarida Alves, liderança de trabalhadoras rurais assassinada há 40 anos e que hoje nomeia a maior ação de mulheres da América Latina, a @marchamargaridas, inspirou os trabalhos da Conferência livre “Tecnologia e Inovação social com as 

mulheres do campo, da floresta e das águas”, realizada na última 6ª, dia 15 de março, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), uma etapa preparatória para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – 5ª CNCTI, que acontece em junho deste ano. 

Para discutir essas temáticas e fornecer subsídios ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação na formulação de políticas públicas nestas áreas, a coordenação e as mulheres da base da Marcha das Margaridas foram convocadas a trazerem suas reflexões e demandas sobre ciência, tecnologia e inovação. 

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Durante um dia todo, cerca de 45 mulheres de todo país ligadas a sindicatos de trabalhadores/as rurais, movimentos de quebradeiras de coco babaçu, de comunidades quilombolas, pescadoras, extrativistas, indígenas, redes e organizações do campo da agroecologia,  entre outros, teceram diálogos e propostas para fortalecer e ampliar o impacto positivo da tecnologia nas comunidades.

Nada de nós, sem nós

A lógica de construção do conhecimento imposta pelo colonialismo está na raiz da discussão sobre ciência e tecnologia a partir da perspectiva das mulheres rurais, das águas, indígenas e quilombolas. A ideia da ciência como algo ligado a academia, a laboratórios, a racionalidade, não reconhece a produção de conhecimento realizada a partir dos territórios, nas comunidades, sobretudo pelas mulheres que trabalham na terra e nas águas. Neste sentido, a primeira parte da Conferência Livre contou com dois painéis: “Ciência e Inovação social em territórios rurais: ampliando perspectivas a partir do olhar das mulheres” e “Tecnologia social e saberes populares: o protagonismo das mulheres na agroecologia”, com a participação de pesquisadoras e também das margaridas. 

marcha das margaridas - ciencia tecnologia
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Em ambas as discussões, foi afirmada a importância de que a produção científica e tecnológica faça uma escuta ativa das comunidades, dos movimentos sociais e sobretudo das mulheres. Seja em projetos de pesquisa ou desenvolvimento de tecnologias, é imprescindível contar com o olhar e a participação de quem está e vive nos territórios: NADA DE NÓS, SEM NÓS. Para fortalecer essa participação e garantir que essas vozes sejam ouvidas, é necessário:

  • Seguir ampliando a diversidade de pessoas no ensino superior, que também deve ser de mão dupla: a universidade estando também nas comunidades, com metodologias como a pedagogia de alternância (tempo escola/tempo comunidade) e a expansão de polos regionais, visando a aumentar a participação de mulheres e jovens do campo, das florestas e das águas;
  • Fortalecer a aproximação das instituições científicas com movimentos populares, trazendo para academia outros sistemas de conhecimento e que a ciência esteja a serviço de comunidades que vivem em conflito;  
  • Engajar as juventudes do campo, das florestas e das águas para fazer a ponte entre conhecimentos tradicionais e acadêmicos. 
  • Valorizar o conhecimento produzido nos territórios, mas sem se apropriar deles; 
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Estas são iniciativas para promover maior reconhecimento do caráter também científico dos conhecimentos tradicionais e ancestrais, dos sentidos, da intuição; dos territórios como espaços de produção e sistematização de conhecimento.  Além da valorização desses saberes, a maior participação da base nas discussões sobre ciência, tecnologia e inovação colabora também para questionar os impactos negativos de projetos de desenvolvimento e tecnologia nas comunidades, além de reivindicar melhores condições de educação e outros serviços. 

Como disse Maria Nice Machado, presidente do Conselho Nacional de Populações Extrativistas: “Se a base não se faz conhecida, não chega nem escola para comunidades, agricultores/as familiares, comunidades indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco”. 

Outro ponto bastante mencionado pelas mulheres foi quanto ao desenvolvimento de implementos agrícolas, que muitas vezes não são adaptados à multiplicidade de corpos femininos ou não levam em conta a especificidades dos trabalhos historicamente realizados pelas mulheres, principalmente domésticos e de cuidados.

Um exemplo de tecnologia social desenvolvida por e para mulheres do campo foi a caderneta agroecológica, produzida pela equipe do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA/ZM) para que as agricultoras pudessem anotar a produção dos seus quintais e o que elas comercializavam, doavam, trocavam e consumiam. Os dados anotados ali serviram, em diversos estados, para as mulheres perceberem a importância econômica da produção de suas hortas e quintais, frequentemente consideradas como “miudezas” na lógica do agronegócio patriarcal.    

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POR CIÊNCIA POPULAR, AS MARGARIDAS CONTINUAM A MARCHAR!

Na parte da tarde, as margaridas debruçaram-se sobre a pergunta: Como as políticas públicas de Ciência e Tecnologia podem contribuir para a superação dos desafios nos territórios? Separadas em grupos por regiões do Brasil, elas trouxeram propostas e demandas concretas para estes setores, tais como:

  • Universalização da energia elétrica e da internet nos territórios, pois muitos locais ainda não têm acesso;
  • Financiamento específico para mulheres e jovens do campo em Ciência e Tecnologia, para que a base possa acessar; 
  • Que as pesquisas priorizem o desenvolvimento de tecnologias para produção agroecológica, aproveitamento de subprodutos da produção, melhoria da qualidade de vida (saneamento, combate a doenças), resiliência frente às mudanças climáticas e enfrentamento à violência contra as mulheres; 
  • Entender e respeitar a realidade dos territórios na formulação de editais e políticas públicas; 
  • Ampliar a divulgação de cursos, formações, editais e oportunidades junto a mulheres e jovens do campo, das florestas e das águas;
  • Fortalecer a reaplicação e desenvolvimento de tecnologias sociais, especialmente de convivência com o semiárido. 
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O fechamento da conferência livre foi no auditório da UERJ, com a participação das margaridas na Sessão Solene “Mais meninas e Mulheres nas Ciências: por uma agenda de equidade e interseccionalidade”, diante da mesa composta com a Ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos; da Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves; além de deputadas e pesquisadoras. Levando a bandeira de Margarida Alves e sua máxima “Medo nós tem, mas não usa”, elas reafirmaram: POR UMA CIÊNCIA POPULAR, AS MARGARIDAS CONTINUAM A MARCHAR!