Reunindo cerca de 1.500 pessoas, o 10º Encontro Ampliado da Rede Ecovida de Agroecologia aconteceu em Erexim (RS) entre os dias 21 e 23 de abril, com a organização encampada pelo Núcleo de Agroecologia do Alto Uruguai. Com o lema “Cuidado, Cultura e Bem Viver: Construindo Caminhos”, as atividades e discussões do 10º EARE firmaram a concepção de Agroecologia para muito além da produção orgânica, representando também uma alternativa para ter mais qualidade de vida no campo e na cidade, com segurança e soberania alimentar e respeito às diversidades de gênero e de gerações. O próximo Encontro Ampliado da Rede será no Oeste de Santa Catarina, entre 2019 e 2020.
texto e foto – Carú Dionísio

Delegação do Núcleo Litoral Catarinense que foi ao 10º Encontro Ampliado da Rede Ecovida


“Uma vez na Bahia uma camponesa me disse assim: ‘Agroecologia é chamar a terra de meu bem’. Porque o que o agronegócio faz é estupro! É pornografia! Mas o que a gente faz é agro-erótico.”. Sob os aplausos de uma plateia de quase mil pessoas, a Pastora Nancy Pereira, da Comissão Pastoral da Terra, prossegue na comparação: “A agroecologia não pode ter pressa, não pode entrar sem pedir licença, tem que acariciar, tem que esperar. É uma relação dessa outra metodologia, desse outro modo, que é o modo do cuidado.

Pastora Nancy Pereira e o agro-erotismo agroecológico


Quando você ama, você cuida! Quando você deseja, você cuida! E fazer agroecologia é se envolver nessa relação erótica com a vida, com a comida, com o sol , com a água”. Proferida durante o Painel de Abertura do 10º Encontro Ampliado da Rede Ecovida de Agroecologia, as provocativas comparações da Pastora evocavam o lema do evento neste ano: “Cuidado, Cultura e Bem Viver: Construindo Caminhos”.
Realizado entre os dias 21 e 23 de abril em Erexim, no Rio Grande do Sul, o 10º EARE reuniu cerca de 1.500 pessoas, entre agricultores e agricultoras, equipes técnicas de organizações, estudantes, consumidores e consumidoras que acreditam e trabalham pela Agroecologia não só como opção produtiva, mas como um caminho para o bem viver. “Quando a gente discute agroecologia, a Rede Ecovida busca isso de forma bem mais ampla do que simplesmente a produção orgânica. É um conjunto de ações, pensando principalmente no espaço e na qualidade de vida”, afirma Edson Klein, da equipe técnica do CETAP, que juntamente com o CAPA e o Núcleo de Agroecologia do Alto Uruguai, encampou a organização do Encontro em 2017. O agricultor Aires Niedzielski, da coordenação da Rede Ecovida, vai além:O nosso sonho, a nossa luta é mostrar que a Agroecologia é a salvação do nosso planeta”.

Fazendo jus a esta ampla concepção da Agroecologia, que abarca também segurança e soberania alimentar dos povos, questões trabalhistas, sociais, de gênero e de gerações, a programação do Encontro contou com uma variada programação de 30 oficinas, que aconteceram na primeira tarde do evento. Foram trabalhados temas técnicos, políticos, sociais e gastro-etílicos: de insumos a sementes crioulas, passando por discussões sobre os impactos da Reforma da Previdência para agricultores e agricultoras ou crédito para agricultora ecológica, além do compartilhamento de receitas e sabores de frutas nativas, cervejas orgânicas e plantas alimentícias não-convencionais (PANCs).

Oficina “Cuidar de Si”, com Maria Dênis Schneider, da equipe técnica do Cepagro


A equipe técnica do Cepagro facilitou quatro oficinas durante o Encontro: “Compostagem e Gestão Comunitária de Resíduos Orgânicos”, com Júlio César Maestri; “Cuidar de Si: Respiração, Automassagem e Relaxamento” e “Feira Orgânica CCA”, com Maria Dênis Schneider e “Consumidores e Agricultores Construindo Alternativas de Abastecimento”, com Erika Sagae e equipe do Projeto Misereor em Rede.

Oficina de compostagem, com Júlio César Maestri


 
 
 
 

Oficina “Consumidores e Agricultores Construindo Alternativas de Abastecimento”, com Erika Sagae e equipe do Projeto Misereor em Rede.


Outros momentos importantes de formação dos Encontros Ampliados são os seminários, que nesta 10ª edição aconteceram no segundo dia, 22 de abril. “Os seminários discutem temas relacionados ao trabalho da Rede Ecovida e sua dinâmica. É a partir desses seminários que a gente consegue tirar diretrizes de funcionamento da Rede para o próximo período”, explica Edson Klein. Mulheres, Juventude, Comercialização, Assistência Técnica e Extensão Rural, Sementes, Certificação e Mudanças Climáticas foram as temáticas discutidas.

A participação de uma delegação com cerca de 50 membros de organizações de 14 países latino-americanos foi novamente um dos destaques do 10º Encontro Ampliado, assim como na edição de 2015, em Marechal Cândido Rondon (PR). Apoiadas pela Fundação Inter-Americana (IAF), as organizações integraram o 10º EARE como uma preparação para o Encontro de Donatários da Fundação que aconteceu na sequência, em Passo Fundo. “Nestes dias como delegação aprendemos muito. Que os problemas e estratégias para superá-los são similares na américa latina. Que os países que representamos não estamos sós, pois temos vocês. Que é mais importante o grupo, e não o indivíduo. Que nos sentimos uma rede latino-americana de agroecologia graças a vocês”, afirmou durante a Plenária do Encontro Roberto Sandoval Rodriguez, da organização FUNDESYRAM, de El Salvador. “Queremos voltar com essa energia pros nossos lugares e internacionalizar esse processo. Porque a Rede Ecovida pode ser uma rede que vai quebrar as fronteiras criadas pelos estados. A Rede Ecovida é uma rede que pode construir entre os povos”, disse Aymara Victoria Llanque Zonta, da organização boliviana IPHAE.

Delegação Latino-Americana na Plenária Final do Encontro



A delegação do Núcleo Litoral Catarinense também compareceu em peso, com quase 80 pessoas. Produtores de cogumelos orgânicos em São João Batista (SC) e membros do grupo Associada, o casal Cristina Alves e Emerson Casas Salvador participavam pela primeira vez de um Encontro Ampliado. “A gente entrou na rede em busca da certificação , mas descobrimos que a Rede é mais que isso. Na rede a gente fez vários contatos. Hoje valeria entrar na Rede mesmo que não houvesse certificação”, afirma Emerson. A troca de experiências e saberes durante o Encontro também chamou a atenção deles, assim como a dinâmica de funcionamento da Rede Ecovida: “Eu achei bem interessante porque a Rede não é só um nome, ela funciona em Rede mesmo. Não é uma hierarquia, as decisões são horizontais. E os problemas resolvidos pontualmente”, avalia Cristina. A estudante de Biologia da UFSC Eduarda Silva também estava na caravana e contou que “Foi muito bonito ver o quanto o trabalho coletivo é real e pode acontecer quando se tem um propósito verdadeiro. Foi muito gratificante ter essa vivência com agricultores, trocando informações, experiências e sementes”.

A delegação do Núcleo Litoral Catarinense incluiu estudantes, consumidorxs, equipe técnica do Cepagro e da Revolução dos Baldinhos.


Uma das inovações do 10º Encontro Ampliado foi a parceria entre Rede Ecovida e o Movimento Slow Food para prover a alimentação durante o evento. Foram 7.500 refeições preparadas com sete toneladas de alimentos orgânicos por uma equipe de 38 cozinheiras, cozinheiros e estudantes de Gastronomia dos três estados do Sul do Brasil. “Foi um grande desafio reunir e ligar os Núcleos da Rede Ecovida para conseguir os alimentos. E agora estamos aqui, cozinhando pra quem são os protagonistas dessa agricultura linda e limpa, que são os agricultores e agricultoras”, afirma o cozinheiro Israel Dedéa, do Movimento Slow Food.



 
 
 
 
 
 
 
A riqueza e o colorido da produção Agroecológica também podiam ser conferidos na Feira de Saberes e Sabores.

Além da posse da nova coordenação da Rede, foi deliberado na Plenária Final que o próximo Encontro Ampliado será no Oeste de Santa Catarina, em 2019 ou 2020. Também foi nomeado o mais novo núcleo da Rede Ecovida de Agroecologia: o Peroba Rosa, apadrinhado pelos núcleos Maria Rosa, Libertação Camponesa e Arenita Caiuá, do Paraná. Assim, a Rede Ecovida de Agroecologia conta agora com 29 células regionais nos três estados do Sul do Brasil e também Sul de São Paulo. Foram apresentados ainda dois pré-núcleos: Vale do Itapocu (apadrinhado pelo Núcleo Litoral Catarinense) e Sudeste Gaúcho (a partir do Núcleo Vale do Caí).

Coordenação da Rede Ecovida que finalizou suas atividades durante o 10º EARE.


 

Nova Coordenação da Rede apresentando-se à Plenária.


Seminários traçam diretrizes da Rede

Seminário Mulheres e Agroecologia


Cerca de 120 mulheres, entre agricultoras, técnicas, professoras, estudantes e consumidoras, participaram do seminário “Mulheres construindo Agroecologia”. Na sistematização das discussões, as participantes salientaram o protagonismo feminino em questões centrais da agroecologia, como resgate e conservação de sementes crioulas, segurança e soberania alimentar, processamento e comercialização de alimentos agroecológicos. “Porém, sua participação nos espaços de coordenação e processos de decisão das organizações, grupos, associações, cooperativas e ONGs ainda precisa avançar muito”. Ressaltam também que esta não é uma luta só das mulheres: “É necessários que nossos companheiros revejam suas posturas e práticas, que as organizações assumam o desafio de tratar as desigualdades de gênero como prioridade e não mais como uma ação pontual”. Como afirmou a agricultora Diva Vani Deitos, da coordenação da Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO) e uma das principais referências nas discussões de Gênero dentro da Rede: “E que sejam as mulheres as protagonistas da suas histórias… As mulheres têm que contar sua história, não mais ser contada somente pelos homens.”

Seminário de Juventude e Agroecologia, em Aratiba.


Se sem feminismo não há agroecologia, sem a mobilização da juventude tampouco. No Seminário realizado no município de Aratiba (a 40km de Erexim), cerca de 150 pessoas estiveram reunidas para discutir e conhecer experiências que conectam Juventude e Agroecologia. Iniciativas como o Conselho Municipal da Juventude de Itatiba do Sul, a Feira Jovem de Boa Vista e a Escola Família Agrícola, de Santa Cruz do Sul, foram apresentadas, com a facilitação de Rogério Suniga Rosa.  Além dos fatores que atraem e afastam os e as jovens do campo, a relatora do seminário na Plenária Final, Anelise Becker, apresentou demandas do coletivo da juventude agroecológica. A participação da juventude na coordenação da Rede e em maior número nos Encontros Ampliados, a realização de um Encontro de jovens da Rede Ecovida e a formação de uma caravana da juventude para o 4º Encontro Nacional de Agroecologia (que acontece em 2018 em Belo Horizonte) foram algumas das propostas apresentadas.

Seminário sobre Sementes

“As sementes quer dizer pra gente autonomia, se a gente consegue ter a nossa própria semente, a gente tem autonomia, como plantar, onde e quando né?”. Enquanto oferta variedades de milho crioulo a R$ 5/kilo de sementes na Feira de Saberes e Sabores, a agricultora Edelaine Brinker, de Sananduva (RS), fala da importância dos guardiões e guardiães desse patrimônio genético e cultural: “Os agricultores conseguem dominar todo esse processo: plantam, cuidam, colhem, selecionam. E eles não ficam nas mãos das multinacionais, eles são os donos da semente”.
O professor do Curso de Agronomia da UFSC Rubens Onofre Nodari concorda: “Fazer agroecologia sem sementes crioulas não é agroecologia”. Além de facilitar uma uma oficina sobre os impactos de novas (bio)tecnologias para a agricultura, Nodari participou também do Seminário Sementes e Agroecologia, coordenado pela ReSA- Rede Sementes da Agroecologia. Dentre as muitas propostas delineadas durante as discussões, destacam-se: a necessidade de apoio do BNDES para financiamento de projeto com sementes na Rede Ecovida, inclusive com financiamento de kits de detecção de transgênicos para distribuição e conscientização entre os agricultores; a realização de feiras e festas para trocas de sementes dentro da Rede; a formação de grupos de trabalho para sistematizar como anda esta questão em cada núcleo e a mobilização para modificação das legislações estaduais e municipais para o uso de agrotóxicos e a proibição da pulverização aérea. Além disso, foi reafirmado o papel fundamental de cada agricultor e agricultora como guardiães de sementes, assumindo a a responsabilidade de guardar pelo menos uma variedade de semente que cultiva, não para comercialização em grande escala, mas para troca entre seus pares.

 

Seminário sobre Comercialização


Realizado no município de Três Arroios (a 25km de Erechim), o Seminário “Estratégias de Comercialização para a Segurança Alimentar e Nutricional” reuniu quase 150 pessoas para discutir questões como “Como os produtores e participantes da Rede podem ter acesso à alimentação 100% orgânica”, “Que tipo de Vigilância Sanitária queremos para a Agroecologia” e “Qual mercado queremos construir?”. O município é sede da ECOTERRA, associação que congrega 75 famílias de 10 municípios da região que produzem e comercializam alimentos agroecológicos. Representantes da associação, do Circuito de Comercialização da Rede Ecovida de Agroecologia e da Vigilância Sanitária do Paraná compuseram o painel inicial da atividade. As demandas apresentadas a partir das discussões incluem o fortalecimento das estações dos circuitos de comercialização, prática de preços menores dos alimentos entre os agricultores e agricultoras da Rede, cursos e oficinas de abastecimento, a inclusão de consumidores e consumidoras nas reuniões de grupos e núcleos, além da revisão da legislação para agroindústrias familiares e que a Vigilância Sanitária atue para orientar, não só punir.
Aqui, o álbum completo do 10º Encontro Ampliado da Rede Ecovida de Agroecologia.