Entre 2008 e 2010, a cooperação entre o Cepagro, que compartilhou a tecnologia social, e o Cedapp, que organizou as comunidades demandantes, resultou na construção de 126 Banheiros Secos no semiárido pernambucano, financiados pela IAF (96) e União Européia (30). Recentemente, visitamos a região para avaliar os Banheiros construídos e conhecer uma nova demanda na Paraíba

por Fernando Angeoletto – Cepagro

No contexto da cooperação entre organizações para a construção de Banheiros Secos, estivemos enquanto equipe técnica do Cepagro no semiárido nordestino pela terceira vez, na última semana.

Os objetivos foram o de aprofundar a avaliação das unidades construídas na região de atuação do Cedapp e visitar novas comunidades demandantes, desta vez em Teixeira, município no interior da Paraíba, em área onde atua o CEPFS (Centro de Educação Popular e Formação Social, também donatário da IAF).

Na semana da visita, jornais de circulação nacional narravam a crônica de um fato bem marcante, que pudemos testemunhar ao vivo: o semiárido amargava uma seca que já somava 2 anos de duração, considerada uma das piores dos últimos 50 anos.

Foi observado, durante esta visita, que o projeto de Banheiros Secos tornou-se uma importante ferramenta do eixo de Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH) posto em prática pelas organizações locais. Reforçando o conceito de convivência com o semiárido – que começa pela construção de cisternas – a tecnologia social do Banheiro Seco é a alternativa de saneamento mais adequada.

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Quando não há cisterna, a água de um barreiro (foto) geralmente é a única disponível

Em comunidades do município de Buíque (PE), que já teve uma das piores taxas de mortalidade infantil do país, a simples adoção de cisternas e Banheiros Secos tem contribuído para a melhoria nos indicadores sócio-ambientais. Além disto, falamos de algo que afeta diretamente a dignidade dos moradores, que sequer dispunham de chuveiros para banho. Em muitos casos, defecavam próximo aos barreiros, que são pequenos lagos escavados para acumular a preciosa água da chuva, compartilhada com os animais da propriedade. Ainda hoje, em residências que ainda não dispõem de cisternas, a água do barreiro é a única disponível para todos os usos, incluindo cozinhar e beber.

Há duas perspectivas importantes, do ponto de vista das famílias que o adotaram, sobre o uso dos Banheiros Secos. Uma delas é a constante adaptação dos modelos, desde o primeiro que foi construído em 2008. A principal é quanto ao vaso que, considerada a inclusão da bombona para retenção do material sólido (fezes), alcançava uma altura cujo acesso só era possível através de uma escada de 2 degraus. Observamos duas soluções já adotadas para este obstáculo: uma delas foi elevar a fundação de alvenaria do Banheiro, e a outra foi acondicionar a bombona em um buraco escavado por baixo do vaso. Em ambos os casos, facilitou-se o acesso por idosos, crianças e portadores de necessidades especiais.

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Banheiro Seco com círculo de bananeiras, para onde são canalizadas as águas cinzas

         Outra perspectiva é em relação ao tabu a respeito do manejo das fezes humanas, algo perfeitamente compreensível na cultura ocidental. A necessidade de transportar a bombona para compostagem ou desidratação foi identificada como uma séria restrição ao uso continuado do Banheiro Seco. Para contornar esta situação, acreditamos na necessidade de um processo educativo mais aprofundado na implementação de futuros projetos, além da adoção de sanitários com câmaras de alvenaria, onde o material é retirado com pás e transportado mais comodamente em um carrinho de mão, por exemplo.

A construção dos Banheiros Secos é também um ente de dinamização das economias e movimentos associativos locais. Cada beneficiário é estimulado a contribuir com uma pequena quantia, bem menor que o custo real de construção, para um Fundo Rotativo Solidário administrado pelas próprias comunidades. Os fundos pressupõem um engajamento na busca de soluções comuns, tornando as associações mais autônomas, inversamente proporcional à passividade estimulada pelas políticas assistencialistas oficiais.

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A associação gerencia um Fundo Rotativo Solidário, composto, entre outras, pela contribuição das famílias que recebem Banheiros Secos

Com sua experiência consolidada, embora ainda demande alguns pequenos ajustes, o Cedapp recebeu recentemente a visita de comunidades atendidas pelo CEPFS. Em Teixeira (PB), pudemos avaliar as impressões dos moradores que participaram da visita, durante um encontro no Centro de Tecnologias Experimentais de Convivência com a Seca, onde variados métodos, como aproveitamento de águas drenadas de rodovias, reuso de efluentes e pequenas barragens em lajedos de pedras, são testados e avaliados.

De maneira geral, as famílias de Teixeira apresentam grande expectativa em receber os Banheiros Secos, com uma compreensão bem aprofundada a respeito da importância de realizar saneamento e economizar água. Sem dúvida que o fato de espelharem-se numa experiência já realizada os coloca em um patamar de superação de problemas, mostrando um horizonte de Banheiros Secos ainda mais adaptados à realidade local.

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Em visita ao município de Teixeira, a percepção lúdica sobre o uso do Banheiro Seco, que é amplamente demandado pelas comunidades locais

Certamente que o manejo das fezes humanas ainda é um tabu, que foi abordado de maneira lúdica durante o encontro. Um dos presentes brincou: “sei não, usar adubo de fezes no meu coqueiro; como vai ficar minha água de côco?” Ao que foi respondido também em tom de brincadeira por Marcos de Abreu, agrônomo do Cepagro: “o senhor come tapioca, não come? E por acaso o seu braço vira uma tapioca? Pois então, na natureza, a transformação é a regra.” Eis aí um inestimável espaço de intervenção didática que deve ser explorado nos próximos projetos.

         Enquanto estratégia para atender esta demanda presente, e outras que certamente surgirão, vislumbra-se a inclusão do tema entre as entidades componentes da ASA (Articulação do Semiárido), com destaque à importância dos Banheiros Secos e a proposição de parcerias na busca por novos projetos que possam disseminá-los em dezenas, quiçá centenas, ou ainda milhares de comunidades espalhadas pelo imenso sertão brasileiro.

Para saber mais: matéria veiculada no Jornal do Commercio à época da implantação dos Banheiros Secos

Álbum completo da visita do Cepagro ao semiárido