“Foi a tarde, estava chovendo. Quando era umas 4 horas da tarde veio um vento muito forte. Chegou destruindo tudo, muito rápido. A gente nem sabia o que fazer, estávamos em casa rezando pra que nada acontecesse com as crianças”.

Assim a Vice-Cacica da aldeia Tekoá Vy’a, Cecília Brizola descreve a passagem do ciclone bomba na comunidade indígena de Major Gercino em junho de 2020. O ciclone passou por Santa Catarina causando estragos e deixando pessoas desabrigadas, entre elas oito famílias da aldeia Guarani. O ocorrido deu início a uma campanha de arrecadação realizada pelo Cepagro buscando recursos para o reparo das moradias e reposição de itens domésticos perdidos. 

Imegm de destroços de uma casa de madeira. No canto inferior esquerdo da foto há um colchão caído no chão de terra.

O que iniciou como uma campanha pontual a partir da doação de pessoas físicas, resultou numa ação conjunta com outras organizações e coletivos da Grande Florianópolis para a construção de cinco novas moradias. Neste mês de maio, a construção e instalações necessárias foram concluídas e as famílias puderam se mudar.  “Todos os que receberam as casinhas ficaram felizes. Eu principalmente, porque eu fico feliz de ter conseguido isso para as famílias que perderam suas casas. Pra gente é importante estar protegidos da chuva, dos ventos e dos raios. Eu fiquei muito assustada com o que aconteceu. Fiquei pensando ‘onde vou conseguir as casinhas para morar’”, conta Cecília Brizola, contemplada com uma das casas.

Casal Guarani com dois filhos posam em frente a casa de madeira..
Mulher e seis crianças do povo Guarani em frente a casa de madeira.
Duas mulheres, dois homens, duas meninas e alguns cachorros em frente a casa de madeira.

Além de trazer mais conforto e segurança para as famílias, a construção das moradias também resultou na instalação de um tratamento mais adequado para os efluentes sanitários. Com o apoio voluntário da empresa Emboá e da ONG Engenheiros Sem Fronteiras Núcleo Florianópolis, foram instalados quatro sistemas ecológicos de tratamentos de efluentes, compostos por bacia de evapotranspiração e círculo de bananeiras. Tecnologias reconhecidas que conciliam o tratamento ecológico de efluentes com a produção de alimentos, evitando assim a poluição do solo, do lençol freático e do rio.

Conforme explicam os Engenheiros Sanitaristas e Ambientais da Emboá, João Vitor Cipriano, Rodrigo Franco e Caio Castílio, basicamente, o sistema instalado é dividido em duas partes: uma é o círculo de bananeiras, onde são tratadas as chamadas águas cinzas, provenientes do lavatório, pia da cozinha e chuveiro. A segunda é a bacia de evapotranspiração, que promove o tratamento das águas pretas, provenientes do vaso sanitário, ao mesmo tempo que gera nutrientes para o desenvolvimento de plantas em sua superfície. A bacia consiste em um tanque escavado, impermeabilizado e preenchido com pneus, materiais filtrantes – nesse caso, resíduos de demolição – e com solo fértil na superfície, onde é feito o plantio de espécies vegetais de crescimento rápido, como as bananeiras. Estas plantas são responsáveis por fazer a filtragem final evaporando a água limpa para fora do sistema, sem causar impacto na natureza.

A equipe Emboá avalia que na aldeia as fontes de água estão bem próximas de onde os efluentes são eliminados e que por isso “instalar um sistema que propõe uma nova forma de olhar o problema, é um passo inicial para a tomada de consciência da aldeia acerca dos passivos ambientais presentes. E também, por se tratar de um sistema que prioriza a evapotranspiração como destinação final das águas tratadas, não há o contato direto dos efluentes com o solo ou com as águas subterrâneas. Deste modo, esta tecnologia traz uma maior segurança e proteção ambiental”, comenta o coletivo. 

Um dos cuidados tomados durante a instalação, além da atenção aos equipamentos de segurança individual para prevenir a Covid, foi o envolvimento da comunidade na instalação. A partir de agora, a manutenção dos sistemas exigirá dos moradores apenas a inspeção das caixas de passagem e de gordura, podas das plantas que estão sobre a bacia e renovação da cobertura vegetal dos sistemas. 

Para os sistemas de tratamento, além do trabalho voluntário da Emboá e Engenheiros Sem Fronteiras, tivemos o apoio da empresa Emplasul com a doação de bombonas; da empresa Lider Ambiental (Nova Trento) com a doação de entulhos; da Comcap, que disponibilizou 95 pneus para o projeto; e da Prefeitura de Major Gercino que contribuiu com o maquinário necessário para execução dos trabalhos.

A ação contou ainda com o financiamento do Instituto Comunitário da Grande Florianópolis, que contribuiu com R$ 66 mil a partir do Fundo de Impacto para Justiça Social, da Empresa Elera com R$ 25 mil, do Ministério Público do Trabalho com R$ 9,5 mil, do Instituto das Irmãs da Santa Cruz com R$ 7 mil, através do projeto “Terra, Comunicação e Artesanato sustentáveis: iniciativas para o fortalecimento das Tekoá Guarani” e mais as doações de pessoas físicas, que somaram R$ 14 mil. Assim, a ação teve como valor total R$121.500,00, dos quais 90% foi gasto com empresas locais. O montante foi utilizado da seguinte forma:

  • R$ 45 mil na aquisição de 5 kits casas de madeira e acessórios;
  • R$ 42 mil para a contratação de mão de obra local para construção das casas;
  • R$ 25,5 mil para a aquisição de materiais para construção das casas;
  • R$ 9 mil para a aquisição de materiais para os sistemas ecológicos de tratamento de efluentes.

A conclusão das moradias é comemorada pelos indígenas, mas algumas preocupações persistem. A falta de saneamento básico segue sendo um problema na comunidade e nem todas as 46 famílias que compõem a aldeia contam com moradias adequadas, um reflexo do abandono das políticas públicas com relação às comunidades tradicionais. Neste momento de crise sanitária, estas questões se tornam ainda mais urgentes e requerem esforços conjuntos, não apenas de ONGs e das próprias comunidades, mas especialmente do poder público.

Nesse sentido, “o Cepagro manterá a parceria com o Núcleo Florianópolis dos Engenheiros Sem Fronteiras, visando a busca de outras melhorias no saneamento e no abastecimento hídrico às famílias”, como afirma o Técnico em Agropecuária e Permacultor Charles Lamb (Bagé), que tem

coordenado as ações do Cepagro nas aldeias Guarani da região. Além disso, “seguimos com os trabalhos envolvendo o artesanato e os cultivos agrícolas, o apoio no fortalecimento institucional através da associação comunitária, a integração junto a outras aldeias da região e atividades que fortaleçam a cultura Mbyá na Terra Indígena Tekoá Vy’a”, complementa.