A divulgação na semana passada do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, conduzido pela Rede PENSSAN, reacendeu o alerta sobre o avanço da fome no Brasil: em 2022, mais 15 milhões de pessoas entraram em estado de insegurança alimentar grave, totalizando 33 milhões de brasileiros e brasileiras que não têm o que comer. Considerando os números de insegurança alimentar leve e moderada, são 125 milhões de pessoas sem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade. É importante ressaltar que a fome têm gênero, cor e endereço: padecem mais os lares chefiados por mulheres e 65% dos domicílios encabeçados por pessoas negras têm algum grau de insegurança alimentar. Áreas rurais e as regiões Norte e Nordeste apresentaram índices de fome acima da média nacional. 
Neste cenário, o Cepagro reafirma sua missão de promover a Agroecologia visando à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), seja em nosso trabalho de base junto a comunidades, seja nos espaços de incidência política em que atuamos. E é para o caráter político da fome que chamamos a atenção nesta nota. 

Sabemos que a pandemia da COVID 19 impactou profundamente as populações mais vulneráveis; por outro lado, entendemos que o aumento da fome está também diretamente relacionado ao desmantelamento de estruturas e políticas públicas de desenvolvimento social que vem sendo operado desde o golpe de 2016. afastamento da participação social na governança e gestão das políticas públicas de SAN, com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) em 2019, fez com que a estrutura da instância federal do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional sofresse fortes abalos. Os efeitos imediatos foram: 
– a drástica redução de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos, importante canal de comercialização para agricultores familiares e também de acesso a alimentos para populações vulneráveis;
– a inexistência do aumento do valor per capita no Programa Nacional da Alimentação Escolar;
– a diminuição do orçamento para a implementação de equipamentos públicos de SAN, como Restaurantes Populares, Banco de Alimentos, Cozinhas Comunitárias; 
– o arrefecimento das políticas de economia solidária;
– a descontinuidade de diversas ações na Politica de Agricultura Urbana.

Além disso, o estabelecimento do teto dos gastos com Saúde, Educação, Assistência e Previdência Social, a Reforma Trabalhista e da Previdência Social, a diminuição do orçamento da União para a Agricultura Familiar traduzida nos últimos Planos Safra, a perda da renda das famílias por meio da desvalorização do salário mínimo e dos posto de trabalho, a mudança dos critérios dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, dentre outras mudanças em políticas estruturantes que garantiram a saída do Brasil no Mapa da Fome em 2014, fizeram com que a capacidade de resposta do ESTADO BRASILEIRO diante da pandemia da COVID-19 fosse ineficiente ao ponto de lançar milhões de famílias à miséria e à fome. 

Se em âmbito federal o quadro é cada dia mais preocupante, localmente reforçamos a importância da construção de Planos de Segurança Alimentar e Nutricional nos municípios e estados, bem como a estruturação e fortalecimento dos Sistemas Estaduais e Municipais de Segurança Alimentar e Nutricional. 

Cartaz de facilitação gráfica

Em Florianópolis, o CEPAGRO possui assento no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável – COMSEAS e, por meio da Comissão Permanente de Abastecimento, Agricultura Urbana e Equipamentos Públicos de SAN, vem construindo conjuntamente com as demais representações da sociedade civil e governo a estruturação do Sistema Municipal de Segurança Alimentar e Municipal, a ser apresentado à Prefeitura Municipal.  Destaque para a implementação de um Programa Municipal de Equipamentos Públicos de SAN, que visa a garantir estrutura administrativa, física e financeira ao recém criado Restaurante Popular e às cozinhas comunitárias existentes em Florianópolis. 

Mãos do cacique Artur segurando um punhado de feijão preto colhido na aldeia

A porta de entrada da população à política de Segurança Alimentar e Nutricional são os equipamentos públicos, como o restaurante popular, as hortas comunitárias, os banco de alimentos, a alimentação escolar, as cozinhas comunitárias, os mercados públicos, as Centrais de Abastecimento, as feiras, o Caminhão do Peixe, todos extremamente necessários para mitigar a fome. 

E para combatê-la e iniciar a reversão desse quadro escandaloso, é urgente a retomada de uma agenda política intersetorial de combate à miséria e a pobreza – especialmente em Florianópolis, capital com uma das cestas básicas mais caras do País, que chegou a R$ 791 em maio de 2022. Estados e Municípios têm papel central nessa retomada, por meio do diálogo constante com a sociedade civil e  os movimentos sociais que estão nos territórios diariamente buscando soluções para enfrentar essa crise.