Na tarde da última quarta-feira, 27, Florianópolis se uniu a mais de 40 cidades brasileiras para a realização do Banquetaço em defesa do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Durante quase 3 horas foram servidas gratuitamente cerca de 2 mil refeições, preparadas com alimentos saudáveis, saborosos e de origem justa, no centro da Capital. Além do banquete, a programação do evento contou com uma roda de conversa sobre a importância do Consea e da participação social na política pública de Segurança Alimentar e Nutricional. E foi ali, em pleno Largo da Catedral Metropolitana e em meio a diversos setores da sociedade, que nasceu o Fórum Catarinense de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FCSSAN), que vai complementar a atuação do Consea em Santa Catarina. Para além disso, o Fórum visa aumentar a participação da sociedade civil nas discussões em torno do tema.
CONSEA PRA QUÊ?
O Consea é uma instituição de governo com participação social que tem como função principal o controle social de políticas públicas sobre Segurança Alimentar e Nutricional. Ele possui uma limitação de representações e, segundo Mick Lennon Machado, conselheiro do Consea pela Associação Catarinense de Nutrição, a luta por sua continuidade é maior que o próprio Conselho, que hoje carece da participação de alguns setores, como por exemplo os pescadores artesanais.
O Fórum, por sua vez, é uma instituição da sociedade, que não tem representações do governo mas têm sua legitimidade, já que a Constituição garante à todos os cidadãos o direito fundamental à livre associação. Segundo Eduardo Rocha, Diretor-Presidente do Cepagro, o Fórum, para além do controle social, pode trazer elementos mais práticos para a elaboração de projetos e políticas públicas que atendam as demandas da sociedade com menos interferência do governo. Por esse motivo é muito importante a participação de diversos setores sociais, pois o Fórum Catarinense de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional será um espaço onde a própria sociedade irá discutir e elaborar políticas que atendam às suas necessidades, no campo da alimentação.
A princípio, o FCSSAN será composto pelas organizações que já compõem os Conseas Estadual e Municipais, além das pessoas que durante o Banquetaço colocaram seus nomes para participarem do nascimento dessa instância. Estiveram presentes no evento indígenas, quilombolas, mulheres, pessoas em situação de rua, estudantes e representantes do Movimento Negro Unificado, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragem, Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar e outras tantas organizações.
Entre eles estava Vanda Gomes Pinedo, do Movimento Negro Unificado e representante do Fórum das Religiões de Matriz Africana da Grande Florianópolis. Vanda já compõe o Consea/SC e falou sobre a importância de estar presente também no FCSSAN, que poderá ampliar ainda mais a discussão e fundamentação da importância da alimentação saudável junto às comunidades tradicionais de matriz africana. “É muito importante quebrar com essa oligarquia da alimentação e dessa alimentação que tem nos trazidos muitas doenças. Então a gente se soma nessa perspectiva, para fazer o enfrentamento na sociedade que tem nos retirado espaços de produtividade todos os dias. Cada vez que perdemos espaço de produtividade há uma ampliação dos alimentos que atingem a nossa saúde”, disse Vanda, lembrando que alimentação também tem haver com territorialidade.
Em um momento onde as instituições de controle social estão ameaçadas, a criação do Fórum se torna também uma garantia da defesa de direitos. Ao longo da roda de conversa do Banquetaço, Neila Maria V. Machado, coordenadora do projeto Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e membro do TearSAN, lembrou que o Consea Nacional já havia sido extinto antes, em 1994, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele foi recriado somente 9 anos depois, no governo Lula, por pressão popular e graças também à existência do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN). Foi graças a políticas planejadas no Consea que o Brasil saiu do Mapa da Fome, em 2014.
Com o fechamento do Consea Nacional pela segunda vez, através da Medida Provisória Nº 870/2019, os Conselhos estaduais e municipais passam a ter sua atuação ameaçada. O recém nascido Fórum servirá também para garantir que a sociedade continue reunida, discutindo e vigilante a fim de defender seus direitos garantidos e buscando conquistar novos.
Ao final da roda de conversa, André Luiz Farias, representante da Associação Beneficente Terreiro de Umbanda Reino de Iemanjá e 1º Secretário do Consea/SC, fez o convite a todos e todas para comparecerem na próxima Plenária do Consea/SC, no dia 20 de março, para a construção da Conferência Popular em defesa do Consea e de pautas da sociedade civil.
Entre as pessoas que confirmaram presença na construção da Conferência Popular e do Fórum Catarinense de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, estava a Vice-Presidenta da Associação de Moradores da Ponta Norte de Florianópolis, Karen Navarro. Ela, por exemplo, não está no Consea mas quer se unir à defesa por uma alimentação saudável para todos: “A grande importância da nossa participação enquanto sociedade unida e estabelecida é que a nossa comunidade realmente tenha voz e que a gente possa se juntar a outras comunidades e em massa poder fazer a diferença”, disse Karen.
Todas e todos são bem vindos na construção destes novos espaços de articulação social que serão a Conferência e o Fórum. Como lembrou Mick Lennon Machado, “se a gente vai ser retirado institucionalmente da governança, temos que nos unir ainda mais e continuar fortalecendo as bases”.