O que significa trazer um olhar de gênero para o trabalho em Agroecologia? O que significa dizer que Sem Feminismo, não há Agroecologia? Como levar esses debates para os grupos de agricultoras? Como fortalecer a participação e o protagonismo das mulheres na Rede Ecovida de Agroecologia?
Essas foram algumas das questões discutidas durante o I Encontro de Mulheres da Rede Ecovida de Agroecologia, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro em Erechim (RS). Promovido com apoio da Embrapa Pelotas e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Encontro reuniu companheiras de 12 núcleos dos três estados do Sul do Brasil, que discutiram conceitos, analisaram a conjuntura atual e pautaram encaminhamentos para a Rede Ecovida de Agroecologia, que, segundo as mulheres, deve colocar-se novamente como movimento de resistência.
No primeiro dia do Encontro, as mulheres trouxeram relatos sobre a discussão de gênero e o protagonismo feminino em seus núcleos. A diversidade de situações relatadas foi grande: da existência de grupos de agroecologia majoritariamente femininos a outros em que as mulheres praticamente não participam; da violência física e psicológica a agricultoras e coordenadoras de núcleos à paridade de gênero nas coordenações. Mesmo neste quadro tão diverso, foi consensual que é preciso estimular e garantir a participação das mulheres em todos os espaços de decisão da Rede Ecovida, dos grupos ao Encontro Ampliado, fortalecendo a discussão sobre gênero e envolvendo os companheiros homens neste debate também. Só assim será possível promover relações sociais mais justas e livres de qualquer tipo de violência, pressuposto básico da Agroecologia.
As participantes construíram um Rio da Vida das Mulheres da Rede Ecovida, fazendo um resgate histórico de suas trajetórias pessoais e também de coletivos feministas no movimento agroecológico. Durante a dinâmica, ficou claro como as lutas empreendidas por mulheres desde as décadas de 1980 ao início dos anos 2000 resultaram num crescimento da discussão sobre gênero e feminismo na Agroecologia após 2005 – 2010. Conquistas históricas como a da documentação e da aposentadoria para trabalhadoras rurais, empreendidas há mais de 30 anos, foram seguidas pelo crescente acesso feminino ao ensino técnico e superior, além da formação de setoriais de mulheres e de gênero dentro de movimentos como o MST e a criação de políticas públicas como ATER Mulheres e a priorização da atuação de técnicas mulheres no ATER Agroecologia, que contribuíram para que as demandas das mulheres ganhassem espaço e visibilidade.
Buscando promover relações de gênero mais justas no âmbito da Rede Ecovida, as mulheres traçaram encaminhamentos que serão apresentados no próximo Encontro Ampliado, que será realizado entre os dias 15 e 17 de novembro de 2019, em Anchieta, Oeste de Santa Catarina.
O que é “Sem Feminismo, não há Agroecologia” para as mulheres da Rede Ecovida?
Construindo coletivamente a compreensão de que os papéis e padrões de comportamento relacionados ao gênero na nossa sociedade – que definem o que é “coisa de mulher” ou “coisa de homem” – são na verdade construções sociais e históricas, e que o(s) Feminismo(s) busca(m) romper com esses padrões e pautar relações mais igualitárias,  as mulheres da Rede Ecovida debateram o lema que vem sendo cada vez mais ouvido no movimento agroecológico: Sem Feminismo, não há Agroecologia.
Para a tecnóloga em Agroecologia Andressa Aparecida Martins, da equipe técnica do CETAP, o Feminismo está no tripé básico de princípios da Agroecologia. “A Agroecologia deve ser economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justa. Sem o Feminismo, não tem como ser socialmente justa”, afirma.
Para a agricultora e técnóloga em Agroecologia Daniela Calza, do Paraná, “Sem Feminismo não há Agroecologia porque não é possível a produção de alimentos saudáveis com respeito à natureza, ao bem estar animal, mas com relações doentes. A Agroecologia contempla questões sociais, culturais. Se a gente tem a exploração de um ser humano por outro, não é Agroecologia”. Daniela integra a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (COPAVI), de Paranacity, que já vem pautando a participação igualitária de mulheres . “A cooperação e a Agroecologia proporcionam independência e autonomia das mulheres, tanto na questão financeira quanto no poder de decisão”, completa Daniela.
Maria Paula Perucci, de Santa Catarina, acredita que Sem Feminismo, não há Agroecologia porque “uma rede de Agroecologia é também um movimento social que propõe novo modelo de sociedade. Só vamos chegar a essa nova sociedade quando terminarmos com a sobrecarga das mulheres pelo trabalho doméstico, vencermos as barreiras de violência doméstica e ocuparmos todos os lugares. E nosso lugar é onde a gente quiser. Por isso, feminismo e agroecologia andam juntos”.
A agricultora Jane Matos é a primeira mulher a ocupar a coordenação de seu Núcleo, o Serra, do Rio Grande do Sul, que tem mais de 300 famílias. “Temos feito esse movimento das mulheres participarem de todas as assembleias e momentos de decisão do nosso Núcleo. Tínhamos poucas mulheres participando, mas estamos buscando fortalecer e cativar mais companheiras. Quando eu chego numa propriedade, sempre pergunto: ‘onde está sua senhora?’, para que as mulheres participem também das visitas”. Ela conta que aprendeu sobre Feminismo e Agroecologia na prática, com sua avó. “Ela praticava a Agroecologia e tinha uma ideia de direitos igualitários com os homens. Era a prática da vida dela. E é  esse querer que eu tenho, que o Feminismo e a Agroecologia estejam juntos”. Para Jane, “nós mulheres precisamos ocupar nossos lugares, sem ter esse preconceito que queremos ocupar o lugar dos homens. Queremos caminhar junto, lado a lado”, completa.
A engenheira florestal e agricultora Meri Diana Strauss Foesch afirma que “o feminismo busca a igualdade, e hoje buscamos que as mulheres participem em seus núcleos e na rede. As mulheres têm muito conhecimento a buscar e compartilhar. Precisamos defender o feminismo para criar uma sociedade mais igualitária, para ter desenvolvimento sustentável, para assegurar direitos como saúde, educação, agricultura ecológica, com tecnologias ecológicas e com a participação de todas e todos”.
Aghata Cristie Rewa Charnobay é técnica de extensão do Laboratório de Mecanização Agrícola da Universidade Estadual de Ponta Grossa e veio ao Encontro para conhecer o trabalho da Rede Ecovida e de suas mulheres. “Quero colaborar para as mulheres se empoderarem mais nesse mundão”, conta. “Sem Feminismo, não há Agroecologia porque a Agroecologia vem como mudança de sociedade, movimento e também ciência. É a gente entender e estudar o todo, sem excluir relações. E a mulher é grande parte dessas relações. E falamos muito de transformação. Pra mudar o mundo, precisamos mudar nós mesmo. Debater o Feminismo na Agroecologia é importante para mudar as mulheres, os homens e consequentemente o todo”.
A tecnóloga em Agroecologia e assentada da Reforma Agrária Rosângela de Fátima Rodrigues avalia que “hoje vivemos no sistema capitalista, que abriga o agronegócio. Nesses sistemas as mulheres somos exploradas, humilhadas e ofendidas, verbalmente e fisicamente. Se não tiver o Feminismo, se não lutarmos por nossos direitos, por igualdade, não tem Agroecologia. Porque a Agroecologia trabalha com a vida, com respeito, diversidade, cuidado do meio ambiente, o cuidado com o outro. Pra mim não há Agroecologia, sem o Feminismo. E esses são os nossos espaços, de voz e de vez, se sermos escutadas e valorizadas enquanto mulheres”.