As leis e programas existentes para a Agricultura Urbana no município estão sendo suficientes? Queremos uma Agricultura Urbana burocrática onde os informais não entram? Que projeto de cidade queremos? 
Esses foram alguns questionamentos feitos durante o V Encontro Municipal de Agricultura Urbana, realizado de 6 a 8 de novembro no Campus Trindade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O encontro foi organizado pela Rede Semear Floripa e teve como tema desta edição “a agricultura como modo de vida”.
E foi sobre este tema a primeira roda de conversa do encontro. A historiadora e pesquisadora da Agricultura Urbana, Giovana Callado foi uma das debatedoras convidadas. Ela chamou a atenção para a extinção das zonas rurais no plano diretor de Florianópolis, reflexo do projeto de urbanização que está em curso no município. Ao longo da conversa, o acesso à terra foi colocado como uma questão central para fortalecer a agricultura urbana e a produção de alimentos.
Os assentados da Reforma agrária, Fábio Ferraz e Bárbara Ventura, do Assentamento Comuna Amarildo, também reforçaram a importância da distribuição de terra. Fábio falou da necessidade de cobrar o mapeamento exato das áreas ociosas do município porque “a reforma agrária passa pela reforma urbana”, disse. Mas somente o acesso a terra não é suficiente, é preciso haver assistência técnica para agricultores/as familiares, que no caso da Comuna Amarildo veio por parte de ONGs, como o Cepagro e de universidades, não através do poder público, lembrou Bárbara.
Outra questão levantada em torno da AU foi a necessidade de fomentar os circuitos curtos de comercialização. A agricultora e membra da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar, Rita de Cássia Maraschin da Silva lembrou do caos gerado pela greve dos caminhoneiros. O episódio mostrou como ficamos vulneráveis quando dependemos de atravessadores. A produção de alimento local e a comercialização direta em feiras são um contrapontos a esse modelo. Rita comentou ainda que a feira da qual participa quinzenalmente em Ponta das Canas tem sido um espaço cultural de encontro e discussão política. Tanto Rita quanto Fábio Ferraz afirmaram a necessidade de incentivar não apenas a agricultura familiar e urbana, mas a Agroecologia, que é o movimento que tem feito um enfrentamento maior contra o agronegócio.
Na tarde do dia 6 de novembro, a tenda do V EMAU reuniu diferentes crenças e saberes durante a roda de conversa sobre Saberes Populares. A benzedeira da Barra da Lagoa, Sueli Adriano dos Santos, a umbandista Janaína Carla Correia e o professor indígena da Aldeia M’Biguaçu, Daniel Kuaray compartilharam com o público os seus saberes no uso das ervas medicinais.

Daniel falou sobre como as ervas usadas nos ritos e presentes na cultura alimentar dos Guarani Mbya estão relacionadas com a noção de território tradicional. Ele compara o canteiro de ervas com uma farmácia natural, assim como Sueli da Barra e Janaína, que além de mãe de santo é benzedeira.

O segundo dia de encontro continuou afirmando a existência da agricultura rural e urbana em Floripa com a presença dos e das agricultoras do Grupo Ilha Meiembipe da Rede Ecovida de Agroecologia, que trouxeram uma diversidade de produtos orgânicos produzidos na ilha. E quem passou pelo V EMAU na quinta-feira também pôde receber os cuidados terapêuticos com acupuntura e as benzeduras da Enivalda de Deus Paslandi, conhecida como Dona Baiana, na
Tenda de Práticas Integrativas
Murilo Leandro Marcos, que é médico do SUS e atende na Lagoa da Conceição, conta que a Agroecologia e as Práticas Integrativas têm relação pois ambas estão na contracorrente dentro de suas áreas de atuação. “As duas vêem a saúde e o cuidado com a vida de uma forma integral”, complementa. Para Murilo, a Agroecologia e as Práticas Integrativas são formas ancestrais de relação que se integram com as novas tecnologias.

O médico lembrou que essas práticas foram incluídas no SUS a partir de 2006 com a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas. A política foi ampliada nos anos de 2013 e 2017 e hoje engloba práticas como a homeopatia, ayurveda, massoterapia e práticas chinesas como a acupuntura. No município de Florianópolis nós tivemos alguns avanços no tema, aponta Murilo, mas as práticas integrativas, apesar de terem validação científica, ainda são marginalizadas: “A gestão municipal precisa investir em contratação de profissionais nessas áreas e em formação continuada aos profissionais que já atendem pelo SUS”. 
Na quinta-feira ainda foi realizada uma oficina de bambu na Sala Verde da UFSC. A atividade apresentou os inúmeros usos que essa planta pode ter, desde uso na construção civil e de móveis, na produção de materiais como fraldas e tecidos, até no uso do broto de bambu na alimentação.
E para finalizar o Encontro, a roda de conversa do último dia teve como tema Políticas Públicas e Agricultura Urbana. Participaram do debate organizações, agricultores/as, consumidores/as, pesquisadores/as e gestores/as públicos/as. Parte da conversa girou em torno do Programa Municipal de Agricultura Urbana (PMAU), aprovado em 2017. O PMAU foi construído coletivamente com a sociedade civil através da Rede Semear e do mandato do Vereador Marcos José de Abreu, conhecido como Marquito (PSOL).
O PMAU trouxe não apenas avanços, mas também novas demandas para o fortalecimento da agricultura urbana no município. A burocratização do programa foi uma das questões apontadas durante o debate. O Parque Cultural do Campeche (PACUCA), por
exemplo, que tem um trabalho reconhecido pela horta e gestão comunitária dos resíduos orgânicos no bairro, atualmente não conta com apoio institucionalizado, como lembrou Eduardo Rocha, diretor presidente do Cepagro. Essa burocratização tem invisibilizado algumas iniciativas que já acontecem no município.
Iniciativas estas que inclusive revertem em economia para o município. É o caso das compostagens comunitárias realizadas no Pacuca, Quintais do Córrego e em outros espaços que desviam toneladas do volume de resíduos que iria para o aterro sanitário. Além do fornecimento de insumos para a prática da compostagem, outra exigência colocada durante o EMAU foi o pagamento por serviço ambiental e de saneamento prestado por essas comunidades.

O Vereador Marquito também apresentou algumas demandas, como a aprovação de um plano de Estado e não apenas de governo ou de mandatos, para assim garantir a permanência de ações em AU. Um plano que garanta verba e um planejamento de ações com metas, apontou Silvane Dalpiaz do Carmo, Chefe do Departamento de Educação Ambiental da Floram. 
A realização do Censo Municipal das Agriculturas produtoras de alimentos orgânicos e agroecológicos da cidade também foi colocada como uma urgência pelo coletivo. Daiane Mastedine, representante da Comcap no PMAU disse que um mapeamento das iniciativas de AU em Florianópolis já começou a ser feito pela prefeitura.
Por fim, outro tema debatido ao longo da manhã de sexta-feira foi o acesso aos espaços ociosos do município. Eduardo Rocha, que também é membro do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, comentou que “a agricultura urbana é produção e comercialização, mas também é ocupação do espaço” e defendeu a função social da terra. Para isso se faz necessário fazer um enfrentamento à especulação imobiliária dentro da ilha, complementou Silvane Dalpiaz do Carmo, da Floram.
As demandas apresentadas pela sociedade civil organizada ao longo dos três dias de Encontro foram incluídas na Carta Política do V EMAU. Além das já mencionadas, também foram colocadas como exigências a regulamentação da Política Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica por meio de uma Conferência Local, a realização de formações livres e populares com incentivos provindos do orçamento público para a criação de espaços coletivos de hortas urbanas e feiras, a inclusão da produção urbana de alimentos orgânicos no plano diretor da cidade de Florianópolis, entre outras.
Eduardo Rocha, que participou da organização do evento comemorou a diversidade de participação no V EMAU. “Essa metodologia da roda de conversa, de ter sido em um espaço aberto, na rua foi muito acertada”, comenta. Nas discussões estiveram presentes agricultores/as, organizações ligadas a saúde mental, coletivos livres de compostagem, representantes de hortas comunitárias, do MST, da Reforma Urbana, consumidores/as, pesquisadores/as, além de representantes do poder público.
Ter optado por fazer o evento em na Universidade Federal também foi algo simbólico para Eduardo, por estar sofrendo grandes ataques ao longo do ano com contingenciamento e reestruturação. Especialmente a UFSC, “tão importante para o tema da agricultura urbana ao longo da última década em Florianópolis. Isso traz um simbolismo muito bacana”.