Enquanto a luta do povo chileno contra o neoliberalismo nas ruas de Santiago marcava as notícias internacionais há mais de um mês, ao sul da capital, nas terras da Araucania, a força da cultura originária Mapuche aquecia e enriquecia o IX Encontro da Rede Internacional de Hortas Educativas, realizado entre os dias 27 e 30 de novembro em Villarica. Inspirado  no tema Con las Manos en la Tierra, por una Comunidad de Aprendizaje sin Fronteras, o evento reuniu cerca de 300 pesquisadoras/es, educadoras/es e ativistas de 16 países.

“O Encontro foi bem especial porque trouxe um viés de conexão com os povos tradicionais do Chile. Também trouxe pessoas de vários cantos do mundo que estão pesquisando, trabalhando e disseminando o tema de hortas educativas”, avalia a agrônoma Karina Smania de Lorenzi, que junto com o agrônomo Júlio César Maestri, representaram o Cepagro no evento. O tema se desdobrou em eixos como Agroecologia, Alimentação, Saúde, Bem-estar e Educação Ambiental, Sementes Livres, Câmbio Climático e Políticas Públicas.

O Encontro teve oficinas práticas, mesas temáticas, Feira de Sociobiodiversidade, troca de sementes, e saídas de campo para conhecer mais do território e da cultura Mapuches. “Conhecemos as rotas de Kurarrewe, onde pudemos conhecer sobre povos Mapuches, sua história, sua cultura, seus costumes e nos conectar com sua ancestralidade”, conta Karina. “Foi muito rica a experiência de trocas de conhecimento, de estar conectados com o mesmo objetivo e principalmente de fortalecer os laços dessa rede”, completa. Karina explica que o termo Hortas Educativas foi um diferencial no encontro deste ano: “Entende-se que as hortas são espaços educativos não só na escola, mas existe também as comunitárias, as experiências de agricultura urbana… E o termo ‘educativas’ contempla tudo isso”.
Confira a entrevista com Claudia Flisfisch, da Comissão Organizadora do Encontro, feita por Karina.

Como foi a experiência de trazer o Encontro da Rede Internacional de Hortas Educativas para o Chile?
Foi uma decisão muito sábia desde o início, vimos a possibilidade de sediar o Encontro Internacional como uma oportunidade muito concreta de articular as iniciativas de hortas educativas em nível nacional. Esperamos promover uma rede nacional de hortas educativas e acredito que alcançamos esse objetivo de inspirar e reunir pessoas que estão trabalhando em questões comuns. Agora temos que continuar trabalhando para dar continuidade a isso. Esta é apenas uma faísca inicial.

Quantas pessoas e países estiveram presentes?
Cerca de 300 pessoas participaram do Encontro, de 16 nacionalidades diferentes: Estados Unidos do México, Guatemala, Nicarágua, Peru, Uruguai, Brasil, Argentina, Itália, França, Chile, Colômbia. É muito interessante entendermos que o Chile é um território muito longo e magro, com uma presença importante de diferentes regiões do país do norte ao sul chilenos. Conseguimos reunir pessoas de territórios muito diferentes e também entender que o Chile é um país composto por diferentes culturas. E no Encontro estiveram representantes da cultura aimara, quíchua e, claro, a cultura mapuche. Foi um encontro muito diverso, o que obviamente lhe dá uma enorme riqueza.

O Encontro caracterizou-se por uma forte presença da cultura Mapuche, além de acontecer num momento de várias manifestações sociais no Chile. Queres comentar sobre isso?
Para sermos anfitriões do IX Encontro da Rede Internacional de Hortas Educativas e ter tomado a decisão de realizar a reunião no Wallmapu, no território Mapuche, foi porque entendemos que as hortas educacionais não estão separadas do território que os rodeia. As hortas educativas são a expressão desse território, a cultura local reflete o clima e o ecossistema local e nos parecia importante poder apresentar um pouco da cultura mapuche em um contexto mais vinculado à educação e à criação de alternativas que ecoem as necessidades que temos hoje nos aspectos sociais e ambientais.
Finalmente, e sem saber que isso aconteceria, acho que também é muito potente que a reunião coincidisse com um momento social muito importante em nosso país. Estamos passando por uma profunda crise, que é a expressão de um sistema que está em crise no econômico, no social, no político no ambiental. De certa forma, acho que o Encontro caiu muito bem porque dá respostas muito específicas às necessidades e desafios que estamos enfrentando, então estamos definitivamente muito felizes em vários níveis por ter acolhido o evento.

Como é trabalhar um tema comum como as hortas com um grupo tão diverso de participantes?
Sediar Encontros internacional é muito importante quando se quer fazer um trabalho em nível territorial ou mais local, porque permite que as pessoas que participam estejam cientes de que os desafios que temos aqui são desafios que se repetem em muitos outros territórios do planeta, e a possibilidade de vinculá-los a outros territórios com outras realidades é muito potente. Existem soluções, existem caminhos percorridos que podem ser usados ​​para inspirar trocas de experiências, de conhecimentos e também, é claro, gerar laços humanos sinceros, relacionamentos fraternos, de colaboração. Às vezes cabe trabalhar um pouco em contracorrente e essas reuniões também servem para dar força e esperança às pessoas que trabalham no dia a dia nessas questões.