Doze instituições, nove países e um propósito: coletar e divulgar evidências científicas sobre a Agroecologia nos âmbitos social, ambiental e econômico. Assim podemos resumir o encontro internacional do projeto Agroecologia na América Latina: construindo caminhos que, após três anos, voltou a se reunir presencialmente, desta vez na província de Imbabura, norte do Equador, a convite do Movimiento de Economía Social y Solidaria del Ecuador (meSSe). O encontro aconteceu entre os dias 17 e 20 de abril e foi marcado por debates sobre indicadores de Agroecologia e soberania de dados, bem como pela ampliação do projeto para mais dois países: Guatemala e Colômbia.

O projeto envolve mais de 126 famílias agricultoras, que compartilham periodicamente informações sobre a gestão de suas propriedades. Uma pequena amostra do universo de mais de 6.500 famílias campesinas beneficiadas pelas dez organizações que agora compõem o Comitê Gestor do projeto, realizado em parceria com a Professora Hannah Wittman, da University of British Columbia (UBC) e com apoio da Fundação Inter-Americana (IAF).

No primeiro plano uma mesa na qual há uma cartolina branca estendida e sob ela cartões verdes e vermelhos. Ao fundo, os técnicos quatro mulheres e dois homens de pé.

Um dos principais objetivos do encontro foi fazer um diagnóstico do projeto e planejar os próximos passos. Para isso, a Mestra em Agroecossistemas e técnica do Cepagro, Isadora Escosteguy, conduziu uma dinâmica de avaliação para identificar os desafios encontrados na execução do projeto até o momento, estratégias para superá-los e ações que já deram bons resultados.

Desta dinâmica coletiva, identificamos a necessidade de elaborar materiais de apoio, como um glossário intercultural, realizar formações, tanto para a equipe do projeto quanto para as famílias agricultoras envolvidas, além de qualificar a divulgação dos resultados, especialmente junto a estas famílias. Também compreendemos que o envolvimento de jovens campesinos é fundamental, por sua facilidade e interesse pela tecnologia, mas também porque o êxodo rural figura entre as principais dificuldades das famílias agricultoras de base agroecológica.

Expansão da rede de organizações

Uma das organizações que acaba de se unir à iniciativa é a Asociación Vivamos Mejor, da Guatemala. “Me interessei pelo projeto dos indicadores já que, como agroecóloga, conheço os benefícios sociais, econômicos e ambientais da Agroecologia, mas sempre faz falta contar com mais dados quantitativos e qualitativos que possam respaldar estes argumentos”, comenta Estefani Gonzalez, técnica da organização.

Foto de Estefani

O interesse pelo projeto veio da vontade de consolidar uma metodologia e indicadores comuns “para poder comparar diferentes contextos, ter uma linha base com as parcelas que trabalhamos e avaliar e demonstrar a transição agroecológica. Ao mesmo tempo, estes dados podem nos servir para incidir em nossas instituições, junto a financiadores e principalmente a governos para que a Agroecologia possa ser institucionalizada no nível governamental”, reforça Estefani.

Maria Cristina Meléndez Mendoza, técnica da Corporación Buen Ambiente (Corambiente), da Colômbia, também vê o projeto como uma estratégia para a incidência local e regional junto a famílias agricultoras. Assim como Vivamos Mejor, Corambiente acaba de ingressar no projeto, entre outros motivos, pela possibilidade de levantar informações pertinentes sobre as transições agroecológicas e porque “nos interessa aproximar um pouco mais as famílias do uso das tecnologias para o trabalho no campo. Além disso, o projeto permite acumular dados para análise que podem ser utilizados para a incidência local e regional de famílias camponesas”, comenta Maria Cristina.

Foto de Maria Cristina
Foto de Erika Sagae.

Para a coordenadora do projeto e técnica do Cepagro, Erika Sagae, “as informações concretas coletadas com a contribuição dos agricultores abrem também o diálogo para que as organizações possam atuar a partir das demandas e dificuldades que vão se apresentando no campo”.

Governança e soberania de dados

A discussão sobre  soberania de dados foi mediada pela Professora Hannah Wittman, da University of British Columbia (UBC), que explicou que sua intenção com o projeto passa pelo fato de que os censos agrícolas são muito deficientes em captar a realidade da Agroecologia e que precisamos de dados para evidenciar a sustentabilidade e rentabilidade dos sistemas agroecológicos e também para mostrar como a Agroecologia está relacionada ao bem-estar de pessoas e comunidades. “A governança de dados é importante para que possamos ver os avanços de sistemas agroecológicos, para a incidência política, para a certificação orgânica e para fazer o enfrentamento à agricultura industrial”.

Os setores de insumos agrícolas estão cada vez mais concentrados e sob a posse de muitas tecnologias e dados. Com uma visão parcial voltada a seus próprios interesses, elas querem controlar o discurso da agricultura. “Com os dados que temos, nossa hipótese é de que a Agroecologia é mais rentável do que a agricultura industrial”, aponta Hannah. Não bastasse os subsídios e benefícios fiscais que este tipo de agricultura intensiva recebe, ela onera populações, governos e ecossistemas com danos sociais, econômicos e ambientais. Mas, para fazer esta afirmação com mais precisão, é preciso apresentar dados, uma tarefa desafiadora considerando a diversidade da Agroecologia.

“Nós não estamos apenas juntando uma base de dados grande e complexa, mas aprendendo a fazer isso juntos ao longo do processo e com o uso de tecnologias com as quais não estamos muito familiarizados”, comenta Hannah. Por tecnologias, ela refere-se especialmente ao aplicativo LiteFarm, desenvolvido a partir do Centro para Sistemas Alimentares Sustentáveis da UBC e que vem sendo co-criado pelas organizações que formam o Comitê Gestor do projeto.

Foto de Hannah Wittman falando para os participantes do encontro sobre indicadores de agroecologia.

Tecnologia a serviço da Agroecologia

David Trapp, Isabela Andrade e Kevin Cussen apresentando as mudanças do LiteFarm.

O aplicativo já vem sendo usado para coletar dados para o projeto e o objetivo é que ele se torne cada vez mais funcional e acessível às famílias agricultoras, para ser usado na gestão de suas propriedades e, ao mesmo tempo, contribuir com a pesquisa em Agroecologia. Inclusive, um dos momentos de debate do encontro foi conduzido pela equipe do LiteFarm para identificar junto das organizações de base, quais os ajustes prioritários no aplicativo para os próximos dois anos.

Kevin Cussen, gerente de produtos do LiteFarm, conta que decidiu dedicar seu tempo à missão do LiteFarm “de equipar agricultores com ferramentas que os apoiem na tomada de decisões informadas e responsáveis sobre suas unidades produtivas, sua sustentabilidade, suas comunidades e o planeta”, por considerar que “nós, seres humanos, somos administradores temporários do planeta e que nossas ações cotidianas podem ser um presente ou um fardo para à próxima geração”.

Equador, território tradicional e livre de transgênicos

Para além de todos os debates e exercícios de reflexão sobre o projeto em si, ao longo do encontro tivemos a oportunidade de conectar-nos com o território equatoriano e conhecer as riquezas culturais desta parte do mundo andino. As dinamizadoras do  Movimiento de Economía Social y Solidaria del Ecuador (meSSe), Rosa Murillo, Anita Garcia e Luzmila Vasquez, nos contaram um pouco sobre a realidade do Equador que, assim como outros países ali representados, tem seus povos ameaçados pela mineração, por madeireiras e pelo crescimento das cidades. É marcado também pelo acesso limitado aos meios de produção, água, terra e mercados e pela má nutrição, que atinge 25% das crianças menores de 5 anos.

Nesse contexto, o meSSe, formado majoritariamente por mulheres e que articula mais de 200 organizações em  nível nacional, atua com a perspectiva da incidência política, comunicação alternativa, circuitos solidários interculturais, pesquisa participativa e diálogo de saberes, visando a defesa dos territórios e da Agroecologia como um modo de vida. Luzmila Vasquez contou sobre a importância das mulheres guardiãs de sementes, protagonistas do movimento “no a los transgenicos”.

O Ecuador é um dos países latinoamericanos legalmente livres de transgênicos, garantia constitucional que consta na Ley Orgánica del Régimen de la Soberania Alimentaria (Nº 583/2009). Apesar disso, de tempos em tempos, forças contrárias tentam passar por cima deste direito constitucional. “Por isso, sempre que se realizam audiências para debater a introdução das sementes transgênicas nós participamos e vamos levando conosco nossas sementes”, conta Luzmila, que além de dinamizadora do meSSe é produtora agroecológica do povo Kichwa Otavalo.

“Nós dizemos que somos soberanos em nossas sementes, mas se os transgênicos forem introduzidas ao território, o perigo é que as nossas sementes desapareçam e isso nós não queremos, porque são sementes de milhares de anos, que herdamos de nossos avós e ancestrais. Estamos realmente atentas para que isso não aconteça”, complementa Luzmila.

Mulheres campesinas do distrito de Imbabura, no Equador.
Marianita Guerrero, campesina e guardiã de sementes do Equador.
Mesa vista de cima, sob ela, variedades de sementes e legumes.

Um dos espaços criados para a troca e multiplicação destas sementes, patrimônio dos povos, é a Kurikancha – Plaza de la Vida, espaço de encontro entre o campo e a cidade, onde são comercializados e trocados alimentos agroecológicos, sementes e produtos artesanais, além de ser um espaço de convivência, educação e reprodução cultural e espiritual. Kurikancha representa uma conquista de um grupo de mulheres originárias e campesinas que depois de muito lutar e resistir contra o preconceito e desrespeito por parte do próprio Estado, adquiriram a terra com o suor de seu trabalho.

Vista aérea do espaço Kurikancha. Vê-se uma roda de pessoas ao redor de uma árvore.

Durante o encontro tivemos a oportunidade de conhecer o espaço e participar de uma cerimônia tradicional conduzida pelo Taita Jaime Guaman. Um momento que nos fez recordar que a Agroecologia é realmente uma forma de vida para diversos povos e nacionalidades e que em sua essência está a conexão com a natureza, seus elementos e alimentos.

O projeto “Agroecologia na América Latina: construindo caminhos” é desenvolvido pelo Cepagro (Santa Catarina), Centro Campesino para el Desarrollo Sustentable A. C. (México), Red Tijtoca Nemiliztli (México), Fundesyram (El Salvador), Movimiento de Economía Social y Solidaria del Ecuador – meSSe (Equador), Asociación de Productores Orgánicos – APRO (Paraguai), Movimento Mecenas da Vida – MMV (Bahia), Centro de Tecnologias Alternativas Populares – CETAP (Rio Grande do Sul), Asociación Vivamos Mejor (Guatemala) e Corporación Buen Ambiente – Corambiente (Colômbia). Conta com o apoio da Fundação Inter-Americana (IAF) e com a parceria da University of British Columbia (UBC).